segunda-feira, 29 de outubro de 2007

5 minutos

Ouvindo na seqüencia Dirty Mutha, do Steed Lord, banda basicamente necessária; The Party e Stress do Justice, outra paulada. Nessa seqüência, dá para entender um pouco do conto também. Não deixem de ouvir.


Com a cabeça reclinada na poltrona, ela não queria abrir o olho de jeito nenhum. Passa um avião, seus olhos temam em abrir. Passa outro avião, seus olhos abrem e vêm a luz solar atravessando o teto de vidro do aeroporto. Ela sabe que quando acorda, dali para frente, seriam só cinco minutos, depois não sabia de nada que aconteceria.

Verificou seus pertences e estava tudo certo... percebeu a boca seca e a ressaca gigante. Veio alguns flashes da noite seguinte... algumas coisas difusas: música alta, lugar escuro, muita gente e muita luz. Olha para o corpo e vê a roupa um pouco amassada... imaginou que dançou muito na noite anterior; mas que não tirava a classe e o estilo da roupa, que, inclusive chamou a atenção do senhor à sua frente, que não tirava o olho dela.

O velho leva uma encarada da moça; depois de embaraçado, o senhor fica incomodado com o olhar dela: duro, penetrante, raivoso... incomodava mesmo. Dava vontade de perguntar o que ela tem! E óbvio, de bater nela, pois ela não responderia... o velho fica zangado. Não agüenta e vai tomar um café.

Viajar não era muito com ele, sabia? Ele sempre foi meio azarado. Sempre acontecia algo estranho, como aquela moça agora! Ela somente lembrava a neta dele, poxa! Não precisava dela olhar daquele jeito. Nesse meio tempo, ele pede um capuccino para a moça que o atendia. Enquanto ele pedia, um executivo entra na sua frente.

"Sem café preto não funciono!". Pensava o executivo. Não se incomodou em pular na frente do velho e pedir seu café preto... seu jeito intimidava as pessoas: era imponente, sempre usava um terno de marca impecável, decidido, pensava rápido, percebia coisas que poucos percebiam, centrado: parece que tinha saído de uma dessas bíblias modernas sobre como se dar bem na vida.

Ele consegue uma mesa e abre seu laptop. Ia ver seus emails... poderia ter algo importante antes de ele embarcar. Lei de Murphy. Olha um em especial, era de sua mãe: mandava fotos do aniversário do filho dele, dizia que tinha sido excelente e que ele fez muita falta... deu a entender que ele não andava fazendo seus deveres paternos. Ahan! Se ele não faltasse na festa, ela teria que faltar na próxima viagem para a Europa mês que vem... que absurdo! Já não bastava perder a festa e ainda ouvia sermão... Alguém quebra a concentração dele.

"Só tinha lugar aqui. Eu vou sentar." O cara de branco parecia um médico, mas com as unhas muito comidas. Ele vê o cara com o laptop sozinho na última mesa e vai direto para lá. Precisava sentar para clarear as idéias... pegar seu caderno de anotações para saber aonde ele estava, para onde ia e qual era a próxima coisa que teria que fazer.

Todos sabemos que ser médico é muito difícil. E psiquiatra, ninguém sabe? É muito pior. Tem que ter uma cabeça que nunca se viu. Muito equilíbrio emocional, muitas formas de separar trabalho da vida real, fazer yoga, não ficar estressado nunca. Tratar de gente no estado que ele as recebe é como desacreditar um pouco de cada vez nos seres humanos. Quando o paciente tem a causa do seu problema espelhada em ações de outras pessoas, não tem cabimento. É a anunciação do fim do mundo, como ele pensava. Algo está entrando em colapso no sistema e não seria interessante o desenrolar disso.

No alto-falante, o avião tal é chamado num certo portão. Os quatro se levantam, se dirigem para o local certo, entram no avião. O avião decola, pega altitude e ruma para o seu destino. No meio, enquanto serviam um lanche, o comandante da nave começa a falar.

O comandante começou com um argumento legal: sabia que a chance de você encontrar em outra ocasião algumas das pessoas que estão do seu lado e que você não conhece é menor que 1%. Ele disse que acreditava que tinha cinco minutos, duas vezes ao dia, cruciais: na qual ele gastava conhecendo alguém que nunca tinha visto antes e o outro no qual ele ficava em silêncio completo para se conhecer.

Cinco minutos depois, a garota está chorando baixinho sentada no banheiro do avião. Viu que, para uma jovem, sua vida era tão vazia que ela poderia passar anos em silêncio que ela não faria nenhuma diferença. O velho tinha pensado em morrer e ficou os cinco minutos em silêncio olhando a paisagem da janela; não gostou, viu que era melhor ser azarado do que ficar sempre calado. O executivo... esse... achou o discurso do piloto um lixo e nesses cinco minutos ficou arranjando maneiras de brincar com esse discurso, para quais amigos ia contar, ria sozinho... no fundo, se sentiu tão sozinho que não foi capaz de ficar em silêncio por cinco minutos. O psiquiatra olhava as mãos em silêncio: foram os primeiros cinco minutos fazia anos que prestava atenção nele, de que era ele quem precisava de ajuda, nos quais não ouvia os próprios gritos.

Para fechar, o piloto passou cinco minutos conversando com uma linda nova aeromoça e marcou um ótimo almoço, recheado de segundas intenções. E pensava qual assunto legal falaria na próxima viagem.

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Uma Segunda

Minha grande amiga Eugênia não gostou de ser referenciada da forma que foi no último conto. Por isso ela resolveu mostrar seu ponto de vista... sobre A Corrente. Canal de comunicação aberto. Música: Breakout - Foo Fighters. Junta a música com o ódio no coração. Mas, eu achei excelente essa idéia e o conto... alguém mais quer brigar?

* para entender melhor, leia o conto "A Corrente", caso não tenha lido ou esquecido. Depois volte aqui. É imperdível.


Outra segunda-feira como todas as outras. Eugênia, a secretária, ia pro trabalho e não é que estivesse acordado propriamente mal-humorada, mas preferia ter dormido mais algumas horas. Ou semanas...

Chegou pontualmente ao escritório e constatou que Pedro, seu chefe, ainda não havia chegado. Ele não era de chegar cedo, quanto mais às segundas! Se presidente de banco ela fosse, também não chegaria na hora.

Assim que Pedro entrou em sua sala, Eugênia passou as tarefas do dia, acompanhadas de um comprimido pra dor de cabeça. Ele, sabia ela, não passava sequer um minuto dos seus finais de semana sóbrio. Bebia como um compulsivo garrafas e garrafas da sua querida vodka Babicka. Mal sabia que essas garrafas eram freqüentemente enchidas de Natasha, medida de economia recomendada pessoalmente pelo pai de Pedro, verdadeiro fundador do banco.

Voltou para sua mesa. Pedro achava que a sua secretária passava o dia lendo horóscopo na Internet. Ledo engano: ela desenvolveu ao longo dos anos essa capacidade de não pensar em nada. Por isso não é de se estranhar que olhasse sem ver o monitor de seu computador.

Trabalhava como secretária desde importante homem de negócios há anos. Suspeitava ter conseguido o emprego (bem ou mal, concorrido) não exatamente por suas habilidades técnicas. Aliás, na última festa de fim de ano do banco ouviu de seu chefe:

- Você é má. Adoro mulher má. Se for gostosa então... aí eu apaixono.

Desde então ela se preparava para o momento em que daria queixa do chefe por assédio, já até sabia onde ficava a delegacia mais próxima e como chegar lá sem pegar engarrafamento. Era uma mulher prática.

Não era uma má funcionária. É bem verdade que quase sempre não gostava do seu trabalho, tinha vontade de mudar tudo, voltar ao começo. Mas essa segunda-feira era só um daqueles dias de revolta que todas as pessoas normais têm, ou deveriam ter. Se perguntava como foi deixar a vida chegar àquele ponto. Seus 30 anos se aproximavam ameaçadoramente e ela não estava satisfeita. Enquanto fingia estar ocupada, sonhava com praias desertas e finais felizes.

Tinha muito trabalho pela frente, mas desde há muito seguia uma teoria segundo a qual quanto mais tarefas se têm pra fazer, menos é necessário ser feito. Afinal, poderia sempre alegar que estava ocupada fazendo outra coisa.

Perdida em seus devaneios, Eugênia ouviu um forte estrondo na sala do chefe. Relevou, resolveu esperar pra ver se passava. Outro estrondo, dessa vez acompanhado pela imensa mesa de mogno da sala de Pedro. A mesa foi empurrada através do hall pelo dono, que tinha manchas de sangue na camisa branca.

Os funcionários se desesperam. Gritaria. A secretária suspira e fala pra ninguém ouvir: eu não ganho o suficiente pra isso. Entrou na sala destroçada de Pedro para ver o que estava acontecendo. Este, aparentemente calmo, tirou da carteira um papel e lhe ditou um número. Pediu que ligasse e transferisse a ligação para a recepção. Nesse momento, nos restos de um computador, uma pequena explosão assusta a secretária.

Enquanto ele se dirige ao elevador, ela liga. Ninguém atende. Volta à sua mesa e lê rapidamente o e-mail que acabou de chegar, repassado por Pedro:

“Arrasta a cadeira de lado, faz cara de muito ódio. Saia destruindo tudo que ver na sua frente durante a música. Volte e sente no que restou da sua cadeira, no que restou da sua sala, e comece a repensar o que sobrou da sua vida. Repasse para 10 amigos e comece a revolução. Depois me ligue. Você ainda tem meu número na sua cabeça.
Com amor, Alice.”

Ligou de novo e do outro lado da linha Alice atendeu. Pensando que definitivamente o seu salário não é o suficiente para aturar surtos psicóticos, Eugênia se dirige à janela.

- Alice, o Dr. Pedro deseja falar com você, aguarde um instante por favor.

E, sem esperar uma resposta, joga o telefone, que logo alcança o chão 60 andares abaixo.

Com outro suspiro a secretária volta para sua mesa e pensa no que fazer. Ora, ordens são ordens. Repassou o e-mail de Alice para toda a sua lista de contatos, não ia nesse momento se preocupar em escolher só 10. Pensava ela que ninguém ia abrir o e-mail de qualquer forma.

E-mail devidamente encaminhado, pegou seu computador ainda ligado, arrancou os fios e o atirou pela janela, seguindo o mesmo caminho do telefone. Na sala de Pedro buscou uma garrafa de vodka e um copo com gelo e seguiu para o elevador privativo bebendo.

Foi o tempo de passar em casa, dar uma martelada no celular, buscar umas roupas e o passaporte.

Muito tempo se passou sem notícias de Eugênia. O e-mail foi lido por alguns poucos, o que criou algum caos e pânico. Anos depois, um funcionário do banco que voltava de suas férias em Kiribati disse ter visto a ex-secretária vendendo caipirinha e brigadeiros num quiosque numa praia paradisíaca, dessas com coqueiros e peixinhos.

Puxou conversa com a mulher na praia. Essa, muito embora falasse português sem sotaque, disse morar lá há muito tempo e negou ter qualquer dia trabalhado em um banco. Não seria capaz de trabalhar entre economistas e advogados. São todos loucos esses que levam a vida assim. Não desejaria essa vida por nada. Ela, disse o funcionário, parecia afinal feliz.

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

A Corrente

Fone de ouvido ligado, som no último. Light Grenades do Incubus. Depois uma Miss Kittin para jogar a pá de cal com 3eme Sexe e Professional Distortion. Virei novelista sim, Getúlia, virei. Gaybis, para os nossos dias de fúria no trabalho! Para começar, como diria o Incubus (com propriedade, diga-se de passagem): "come on, remember who you are!".


Segunda-feira básica na vida de Pedro: cansaço mais desânimo mais trabalho. Apesar de sempre sonhar em ser um engravatado, espelhando-se no pai, aquilo não era muito bem o que sonhara. Sua sala, com uma bela vista para uma amontoado de prédios, sua secretária, com uma volúpia digna de secretária vilã de novela (daquelas que parecem saber muito bem o que querem), sua conta na Suíça, assegurando sua sonhada férias na ilha grega de Zatykirios e suas garrafas de vodka Babicka. Na segunda nada daquilo tinha o mesmo valor que tinham na sexta.

Ao chegar, Eugênia, a secretária, sempre lhe passava o itinerário do dia - como sempre cheio de reuniões chatas e decisões idiotas, uma vez que tinha herdado o trabalho fácil do pai de comandar um banco. Aquele segunda era para ser ainda mais chata: o tempo tinha fechado.

Pedro senta na sua mesa arrumadíssima. Liga seu laptop de última geração. Olha para a tela inicial e sente uma preguiça misturada com um ódio pela saturação que todo aquele ambiente lhe dava que chegou a lhe dar náuseas; lembremos também que parte da náusea foi causada pelo litro de vodka tomado no domingo assistindo mais um noturno - e soturno - programa de revista na tevê. No meio da náusea, pensou nas histórias sofríveis de animais nada predadores na África - clichê desses programas - e analisou uma solução: vodka para esses animais. Pensou: "se eu sou um gnu, para que correr da morte certa nas patas de um grande felino cheio de luxúria? Eu bebia uma vodka e encarava a morte de frente!".

Balançou a cabeça, pediu uma água à secretária, que prontamente a trouxe, pegou um remédio milagroso e tomou. Organizou as idéias, expulsou os pensamentos psicodélicos e tentou se animar com um "vamos lá!" mental.

O máximo conseguido foi abrir seu email da empresa.

Primeiro email. Remetente: Tia Fulana. Assunto: você está feliz hoj... deletado. Era corrente. Segundo email. Remetente: Alice. Assunto: 2 minutos e 50 segundos. Pedro sentiu uma vontade louca de deletá-lo, mas... algo o impedia... era o nome. Alice. Ficou um tempo pensando naquele nome até o cérebro se desligar de tudo... voltou a si. Lembrou da namorada de faculdade, que ele terminou porque ele escolheu trabalhar com o pai em outro país.

Abriu para lê-lo. A mensagem era a seguinte:

Arrasta a cadeira de lado, faz cara de muito ódio.

Saia destruindo tudo que ver na sua frente durante a música.

Volte e sente no que restou da sua cadeira, no que restou da sua sala, e comece a repensar o que sobrou da sua vida.

Repasse para 10 amigos e comece a revolução.

Depois me ligue. Você ainda tem meu número na sua cabeça.

Com amor, Alice.

Não se agüentou e riu, havia lembrado que ela tinha se bandeado para esse lado anarquista e essa era uma das causas maiores do término: Pedro era a encarnação do capitalismo. Ia apagar, mas viu que tinha uma música anexada ao email. Achou aquilo estranho, mas lembrou que o texto mandava ouvir uma música... então...

O arquivo anexado tinha o nome de Luz aos que estão na escuridão.mp3. Achou o nome uma babaquice digna daquela revolucionária de araque. Era segunda-feira mais umas doze horas até a próxima garrafa de vodka e tudo o irritava: desde passarinhos amarelos numa linda fonte no parque até malditas correntes eletrônicas tentando dissipar uma revolução. Achava aquilo um disparate. Uma ofensa. Um atrevimento sem tamanho!

Não conseguia apagar a mensagem da sua cabeça e nem do seu laptop. Achava petulante ela pedir para ele ligar depois e ainda supor que ele ainda lembrava seu número. Nesse exato momento, um nove apareceu na sua mente. Desviou a atenção e agora já baixava a música do email. Tinha que ouvir o que aquela imbecil queria que ele ouvisse.

Já começava a ouvir a música com os fones no ouvido. Ouviu um solo de guitarra e já prestava atenção na música. Quis ler de novo a mensagem... "Arrasta a cadeira de lado, faz cara de muito ódio". Sentiu algo estranho nele mesmo e jogou o fone na mesa com uma violência que machucou as suas orelhas.

Coçou os olhos, abriu-os bem... olhou para os lados, para os prédios atrás dele. Parou e tentou pensar um pouco, mas sua mente estava vazia. Precisava ouvir a música agora. Um outro tipo de ódio o invadiu. Um enérgico, persistente. Voltou a música sem o fone no ouvido e a parou. Leu de novo o email. "Saia destruindo tudo que ver na sua frente durante a música." Pegou o fone devagar, colocou no ouvido: um silêncio. Pediu para a música tocar. O solo de guitarra fez seu coração bater mais forte, a bateria o fez ficar de pé.

Logo, um grande e velho armário com muita coisa de valor era puxado graciosamente pela lei da gravidade 60 andares ao sentido do centro da Terra, depois de tentar atravessar duas vezes uma bela janela caríssima, e só na terceira tentativa alçar um belíssimo vôo. Pedro, olhava sua janela destroçada com uma cara tão ruim digna de Alex em Laranja Mecânica: gravata afrouxada, camisa para fora da calça e olhar maquiavélico.

Eugênia, imersa em sua tarefa por hora, ver seu horóscopo diário, não ouve nada; mas, fica um pouco assustada com a mesa de seu chefe passar pela porta depois de quatro tentativas, todas elas percebidas por ela, não devido ao barulho na porta que, no mínimo, incomodava, mas pela impossibilidade daquela cena, que a deixou categoricamente catatônica. Já viu brigas e gritos naquela sala, mas não uma mesa gigante atravessando o hall da sala do presidente do banco.

Pedro, quase possuído, já tinha destruído tudo na sala, de livros sobre o mercado e o capital nas bolsas de valores modernas até as luminárias IKEA com design único encomendadas por ele e que chegaram ontem.

Depois da mesa, Pedro sai da sala. Gritos são dados, um certo nível de desespero é alertado em todos os associados - que há tempos atrás eram funcionários - do banco que viram o ocorrido. A camisa de Pedro tem algum sangue, conseguido através dos empurrões na mesa e no armário e na tentativa de puxar um dos lustres do teto.

Pedro se dirige ao resto que sobrou do laptop. Por incrível que pareça, ele ainda funcionava, bem avariado e lento, mas funcionava. Também, pelo preço que foi pago e pela garantia que ele sobreviveria a quedas dantescas para um laptop, era o mínimo necessário. Percebeu, naquele momento que sentiria falta de algumas coisas do capitalismo, além do que ainda daria para repassar o email.

Ele anexa uma nova música e manda a mensagem à dez pessoas que sabiam que iam ler. Logo depois, acerta um chute naquele computador que nenhuma garantia cobriria. Depois, ouve uma voz o chamando. Era Eugênia, que se aproximava, sempre sensualmente e solícita:

- Senhor, o que houve? Está tudo bem?

Pedro tenta se recompor. Pega a sua carteira... melhor, o que resta dela. Acha o que queria: um pequeno pedaço de papel. Lembra que precisaria do celular, mas seu IPhone foi fazer um visita ao escritório no prédio do outro lado da avenida. Vira para a Eugênia e fala, calmamente, como um monge, um iluminado:

- Liga para mim, por favor, para esse número - e diz a ela um número. Eugênia o anota, ainda com a cara apavorada e se assusta ainda mais porque a mesa que era do chefe dá um curto e uma pequenina explosão ocorre. Nada demais.

Pedro pede para ela transferir para a recepção e vai entrando no elevador. Antes da porta fechar, ele diz:

- Você recebeu um email.

O elevador se fecha. Na recepção, não há chamada para ele. Na saída do prédio, um telefone caríssimo, daqueles com funções viva-voz, bluetooth, agenda completa e com uma boa capacidade voadora quase acerta a cabeça dele com a força de um pequeno objeto que cai de 60 andares. Ele olha para cima, vê uma silhueta que lembrava a de Eugênia lá extinta janela de seu escritório e vê que o céu está azul. Olha para o lado direito, um belíssimo armário esmagado contra o chão. Olha para frente, um cabine telefônica. Ele sabe que sentirá saudades desses contos de fada do capitalismo.