terça-feira, 29 de julho de 2008

Sonho e Loucura

Voltando devagar à escrever, começo a escrever esse que sempre quis. Com a música Prehensile Dream do The Bad Plus, banda de jazz que sempre gostei. A música é do CD Suspicious Activity de 2005 e vale muita a pena ouvir, é espetacular.

p.s.: troquei o servidor de podcast. Deu errado e cansei de procurar um podcast host bom... então vamos de youtube mesmo. =]



Olívio ia dormir sempre do mesmo jeito: no seu pijama de seda, na sua cama king size, com a mulher que todos desejavam, na mansão que todos sonhavam. Apesar da sua idade - estava na casa dos cinqüenta - sentia-se jovem o bastante para almejar sempre novos objetivos. Muitas vezes era por pura ganância; era simplesmente por querer "colecionar troféus", materializar as coisas e as pessoas. Por isso, era considerado um homem rico, bem sucedido, mas pouco ligado a valores sentimentais. Perguntavam-lhe o por quê de ser assim tão arrogante; ela respondia que era porque ele merecia.

Merecimento foi a palavra que cerceou a vida dele e, toda noite, quando ele ia dormir, lembrava-se dos seus maiores feitos e conquistas; no fundo da sua mente, ele ouvia uma pergunta, bem baixinho, que indagava se tudo aquilo valia a pena. Por isso ele sempre demorava para pegar no sono e dizia que tinha um pouco de insônia pela preocupação que os negócios lhe davam. Mas não, era sempre aquela auto-crítica que o corroía. E Olívio se sentava na cama, olhava seu quarto gigantesco por inteiro e sentia-se vazio. Sempre que ficava assim, costumava pegar uma colher de prata que o pai dele lhe havia dado logo quando Olívio saiu de casa para fazer a vida e lhe fez prometer que só usaria aquela colher em um momento nos qual não havia mais saída, a não ser se desfazer daquele talher.

Enquanto fitava a colher, o sono vinha e o embalava, debaixo de maravilhosos lençóis de cetim e edredons importados. Seu olho fechava e ele esperava um sonho; este que não vinha novamente havia anos, muitos anos. Foi quando tinha uns dezesseis anos, na noite de Natal, quando sonhou com um brinquedo que nunca teve. Desde lá, nem sequer um pesadelo preenchia suas noites de sono. E ainda com a colher na mão, ele sentiu-se ficar leve, naquele momento que o sono vem e nos leva.

Logo depois, sente o sol nos seus olhos, atrapalhando seu sono. Perguntou-se se já era de manhã. Nesse pequeno momento de lucidez percebeu que seu colchão não estava muito bom e que tinha passado um pouco de frio à noite, além de perceber alguns cheiros diferentes no lugar. Ele tenta fechar os olhos para dormir e não consegue. Ficava imaginando quem pode ter sido a pessoa que abriu as cortinas da janela. Olívio, então, abre os olhos por completo. Não vê as cortinas e nem as janelas, nem seu closet gigantesco, nem sua cama, nem seus lençóis, nem nada. Seria um sonho? Finalmente ele estava sonhando? E então, tenta se levantar, mas percebe que dormiu no chão e só se senta. Olha para a frente, no horizonte, o sol está nascendo com sua cor e calor únicos; o que deixa Olívio maravilhado, pois fazia tempo que não prestava atenção nisso.

Mas, tinha algo errado. Quando consegue se acostumar com aquela luz no rosto, vê que está dormindo na marquise lateral de um restaurante de posto de gasolina. No chão, em meio a trapos, com mais gente. Parecia sua família, pois havia duas crianças e uma mulher, como na vida real. Acha engraçado a verosimilhança entre o sonho e a vida real, e, para finalizar as coincidências, ele sente fome. Mas, uma fome que nunca sentiu: aguda e persistente, fazendo-o assustar com o que estava sentindo e procurar formas para sair daquele sonho. Tenta se levantar, mas tem dificuldade, pois encontra vários machucados pelo corpo e um sapato seu não tem sola quase nenhuma.

Olívio verifica suas roupas. Todas sujas e rasgadas, seu cobertor era horrível e pequeno para o corpo dele e mais ao lado tinha uma pequena mochila com seus pertences. E como ele fedia; não estava se aguentando. Esse sonho estava real demais. E então ele caminha em direção ao posto e tenta falar com um dos frentistas; sem sucesso, é mal tratado e escurraçado pelo rapaz... que, aproveita, e pede para ele sair dali para não espantar os clientes.

Olívio começa a se desesperar com aquilo tudo... caminha de costas olhando para o frentista, assustado; tropeça e cai. Ao cair, olhou para cima e o céu estava lá, azul e lindo ainda - naquele momento lhe deu uma paz tão grande, achou que ia voltar do sonho. Bateu a cabeça no chão com tudo e fechou os olhos. Quando abriu-os novamente, o mesmo céu. Fecha e abre-os de novo. O mesmo céu de novo. Levanta, agora com um galo na cabeça e vai para onde estão as suas coisas.

Chegando lá, olha ao lado, vê a mulher e os filhos. Acorda-os e tenta se explicar. Eles só falam que estão com fome e aonde seria melhor para mendigar. Olívio os ignora e pega sua mochila ouvindo os gritos de sua mulher e filhos perguntando aonde ele iria. Ao pegar sua mochila, algo cai no chão e o barulho o chama a atenção... parecia familiar. Ao olhar, verifica que é a colher de prata do seu pai, da escrivaninha do lado da cama de dormir...

Mas que cama, que escrivaninha, que pai? Ele não era mais ele mesmo. Era um indigente! Fora de si, pega a colher e a joga longe... grita e se desespera mais ainda. Xinga a tudo e todos, roga pragas. Sua família vem atrás dele e não entende o que ocorre; nesse meio tempo, alguns funcionários do posto já tentam expulsar a família de mendigos do local. Olívio já se dirigia à rodovia e, ao passar pela colher que havia jogado longe, a pega e a inspeciona... está limpísima... tanto que na cavidade côncava consegue ver uma imagem do seu rosto: uma barba espessa e suja, cabelo mal cortado e grande, dentes sujos e boca machucada.

Segurando a colher, sai correndo desesperadamente deixando a confusão para trás, até que fica num lugar mais silencioso. Olha para trás... sua família acaba de sair do posto. E o segue de longe, uma distância boa. De onde está, consegue ver a sua mulher gesticulando para ele esperar. Olívio pensa. A colher é apertada pela sua mão direita e, desse jeito, resolve ir em direção da sua família.

No meio do caminho, desvia do caminho e vai para o meio da rodovia. Um caminhão vem na direção contrária em alta velocidade, tenta frear e desviar. Não consegue e pegará Olívio em cheio. No segundo antes, vem tudo à sua mente: quem ele era, o que ele fazia, o que ele queria... tudo fica claro e simples.

No segundo depois, ele acorda como se fosse de um susto e dá aquela respirada funda. Está em uma cama. Em um hospital, ligado à vários aparelhos que, com a súbita levantada da cama, se desconectam e começam a apitar freneticamente. Logo depois, entra uma enfermeira que o olha e sai pelo corredor dizendo alguma frase que foi difícil de entender... falando como se ele tivesse acordado. Ela volta e diz para ele se acalmar, pois tinha acabado de acordar de um coma. E que tudo seria explicado.

Ele olha ao redor. Não reconhece nada. Passa o olho na escrivaninha ao lado da sua cama... fica tentado ao abrí-la, não sabia por quê. Ele vai a abrindo devagar, e vai se formando a imagem de uma colher de prata. Olívio a pega e sente algo muito estranho, sabe que ela é mais que uma colher... é como uma chave. Nesse momento, ele percebe que não sabe quem é, não sabe o que estava fazendo ali. Então, ele deita... pela janela do quarto o céu estava azul. Segurando fortemente a colher, ele fecha os olhos e dorme novamente.