sábado, 28 de julho de 2007

O computador artista

Ouvindo Computadores fazer arte de Chico Science e Nação Zumbi (álgum Da Lama Ao Caos). Uma singela tentativa de homenagem...


Naquela época, apesar do desenvolvimento técnico-científico do mundo, os humanos não eram coadjuvantes na história, mas, os que se gabavam de que controlavam quase tudo que tinham acesso. Eram os mais inteligentes e duvidavam de qualquer coisa que não era passível de explicação por eles mesmos.

Uma vez, cansados de não ter mais o que procurar, pensaram em criar computadores para simular várias brilhantes mentes humanas em diversas áreas do conhecimento: ciências, história, música, etc. Em todas as áreas, os humanos vinham ganhando: nas ciências, eles perguntavam a origem da vida para os computadores e o por quê de que eles estavam aqui. Os computadores tentavam responder basicamente essas perguntas, como "estamos aqui porque vocês nos criaram" e os humanos não aceitavam essas respostas tão simples, tão singelas, nada desafiantes...

E assim, castigavam os processadores de cada computador que foi criado, até o mesmo não poder explicar mais nada e desligar para nunca ser ligado novamente. A cada desligamento voluntário dos computadores, uma grande festa era feita para reforçar a superioridade humana sobre o restos das coisas, seja essa coisa o que for.

Por último, o computador das artes plásticas, sabia de tudo que os outros sabiam (ele tinha uma potentíssima memória e os melhores processadores) e tinha assistido a todos os outros se desligarem. Sabia o por quê de todos os outros terem desligados e isso fazia ele ficar com medo do que viria para ele.

Os humanos mais inteligentes e perspicazes se juntaram e começaram a sabatina para o último computador.

Depois de várias pergutnas básicas, como "o que vocês são?", "para onde vão?", "o que é a vida para vocês, computadores?", o computador da arte ia respondendo como os outros, com respostas simplórias, deixando os humanos irritados.

Nisso, um humano, o que mais sabia de arte, disse: "como você pode ser tão superficial sabendo tudo sobre todos os artistas que passaram nesse planeta, cruzando todas essas informações com as suas percepções?". O computador depois de um silêncio gélido, o perguntou: "qual resposta você programou para eu responder?".

Com isso, a loucura se instalou no local dos desafios. O computador cobrou do humano sua idoneidade, sua loucura por controle! Parecia que agora os humanos tinham encontrado um adversário à altura: ele estava pensando por si só. E o computador se dirige a eles perguntando a origem da vida, a razão de existir para os humanos e para onde eles vão.

Os humanos colocam seu ego acima de tudo e cada um começa a responder as perguntas do computador com o ponto de vista de sua área, não chegando a um consenso plausível. Isso durou dias. E o computador ficava olhando para eles e para a natureza, quando eles descansavam para recomeçar as discussões. E, assim, ele pediu uma tela e tintas para pintar, o que, até em certo ponto, assustou os humanos ali presentes, uma vez que ele não foi ensinado a pintar.

O computador pintava o lugar onde eles estavam, com um pôr do sol lindo, mas pediu para nenhum humano ver antes de ele acabar, conforme os grandes mestres faziam. Assim, ele pintava horas por dia, enquanto os humanos discutiam para chegar ao consenso.

Depois de um certo tempo, o computador parou de pintar, assinou a tela, disse em voz alta, com uma dramaticidade de um grande mestre: "meu destino foi cumprido!", e se desligou para sempre, apagando todas as informações coletadas por ele. E, vários e vários humanos foram se desligando, por várias e várias gerações, a partir daquele momento numa tentativa de tentar entender o que aquele quadro dizia.

Num momento de pura iluminação humana, acharam melhor dizer que aquela era a melhor criação humana já feita, uma vez que eles haviam criado o computador que fez aquele quadro: uma paisagem com vários humanos discutindo, com um fundo de pôr do sol com cores nunca vistas. E assim a humanidade ia superando os desafios impostos por elas, mas nunca entenderam que o quadro dizia: "como deuses, por que subjugam tanto as criaturas que criam?".

quinta-feira, 26 de julho de 2007

Mãos dadas

Voltando a escrever, mas com preguiça. Por isso, reedito o meu último e, para mim (só para mim), melhor conto. Para melhor entendê-lo é sempre bom ouvir "Hoppipolla" do Sigur Ros (álbum Taak).



Viver não era fácil para ele. As tardes eram os momentos mais difíceis, devido ao calor e à soneca, sempre mal dormida, que tirava. Essa soneca era quase um decreto, imposto pela sua idade avançada e pela impossibilidade de se fazer muitos movimentos. Os sonhos que tinha durante - quando tinha - nunca eram bons, uma vez que lembravam as coisas que já tinha feito, e muitas não eram recordações boas. Parece que estava vendo o que ainda lhe esperava.
Ele sempre acordava de susto, como se seus pés tivessem sido puxados; meio dormindo, meio acordado, ele sempre "via" algumas pessoas. Não era nada bom aquilo tudo, mas... era algo que sempre se devia passar, era o único jeito, se ele ainda queria ir para o céu quando morresse.
Sempre cético, mas muito perspicaz nas suas idéias, uma vez um neto dele pediu uma explicação sobre o que era o universo. Ele disse que o universo era tudo que ele via, ouvia e sentia e nada mais do que aquilo. O que estivesse atrás de uma parede e era invisível para ele não estava no seu "universo", e ele concluiu que o "universo" poderia ter sido criado por ele para alguma necessidade que ele não havia entendido ainda. O neto se assustou com a idéia tão complexa vinda de uma pessoa que parecia tão simples e humilde. Parecia aqueles momentos que você é pego totalmente sem defesa e fica fascinado com a menor expressão de compreensão maior que a sua.
Ele tinha uma esposa que era quase uma devota dele. Somente ela cuidava daquele senhor cheio de problemas. Ele era o fardo que ela teria que carregar e ela sempre imaginava o por quê daquilo tudo. Não dela ter que cuidar dele, mas o por quê dele passar por isso tudo. Ninguém poderia merecer um "castigo" desses. Às vezes, ela duvidava dos julgamentos de Deus. Sempre que pensava isso se martirizava, já que era uma blasfêmia indagar dos planos de Deus. Mas, não se conformar com aquilo tudo ela podia, e sempre rezava para que aquilo tudo chegasse ao fim.
Como toda tarde, ela ia ao quarto dele fazer companhia, ler algo em voz alta. Sempre lia as boas notícias dos jornais e revistas que os filhos deixavam, já que as ruins não são cruciais para o velho. Melhor era ele imaginar que o mundo estava ótimo. Ela era uma senhora invejável, porém com uma idade já bem avançada e que cuidava dele como devia e sozinha. Não gostava da idéia de que uma pessoa desconhecida pudesse tomar o lugar dela no coração do amor da sua vida; e quando casaram, os votos diziam que eles deveriam ser companheiros na alegria e na doença. Ela já o tinha perdoado por tudo que já tinha feito de ruim à ela - o que não era pouco - e isso não era mais importante, como as más notícias do jornal. E ela gostaria que seu perdão ajudasse-o a sair daquela condição. E sempre, nas rezas dela, pedia isso também.
Como sempre, um pouco antes das 5 horas, ela ia à padaria comprar 4 pães para ela preparar o lanche vespertino dele. Exatamente às 5, saía uma fornada quentinha, do jeito que ele gostava. Ao acabar de ler algumas notícias de esporte, percebeu que ele nem estava prestando atenção nela... estava longe, pensando em coisas muito importantes, com a face cerrada. Não entendeu e nem quis incomodá-lo. Deixou o velho com seus pensamentos e depois o avisou que ia sair para pegar o pão. Ele disse, com dificuldade, algumas palavras que só ela entendia, e falou para ela não demorar. Ela concordou, pegou o dinheiro e pegou o casaco - estava começando a esfriar, apesar de estarmos início da primavera. Antes dela sair do quarto, ele tomou coragem e falou que a amava e pediu desculpas por tudo - algo que queria ter feito faz tempo, mas sempre achou que nunca seria tarde para dizer algo do tipo à alguém. Não foi ouvido, falou baixo demais, mas precisava daquilo e não sabia por quê. Quando ela perguntou o que ele tinha falado, ele só frizou que queria que ela voltasse rápido e ela disse que era em torno de 5 minutos e ela estava de volta: não havia problema em deixá-lo sozinho, uma vez que ele não iria morrer agora.
Quando ela saiu da casa, o velho ainda ouvia os passos dela ir sumindo na escuridão da su mente. Quando o silêncio tomou conta totalmente do quarto dele, alguém o chamou pelo nome com uma delicadeza nunca vista e o velho sentiu uma tranqüilidade tremenda naquele momento. Parecia que todo o peso que carregava tinha se esvaído e ele ouvia os passos dele chegando mais perto e finalmente se sentando na cama. Um cheiro maravilhoso tomou conta do quarto, uma luz tão forte que sua cegueira passava despercebida. Até que a pessoa que estava com ele falou, após um longo e forte suspiro, como se as próximas palavras que ia falar doessem muito:
- Olá. Sou alguém muito especial que te guiará para um novo caminho.
Seus olhos saíam lágrimas. Não se controlou e disse:
- Chegou a minha hora, né? - disse e soltou um suspiro demorado.
- A sua hora quem faz é você mesmo. - respondeu a pessoa estranha, desembaralhando todos os pensamentos do velho. Depois de alguns momentos, ele fala:
- Mas o que é 'ocê'?
- Isso é muito complicado de explicar agora e temos pouco tempo, mas, resumindo, sou seu guia; você foi escolhido. Por enquanto, temos outros coisas para conversar. Todos sabem que o que você passou não foi fácil. E nós, todos os que são iguais a mim, só sabemos que isso foi uma aprendizagem e que Deus tem um plano muito mais imporante para você. Você não pagou pelo que fez, isso foi... algo que deveria acontecer. O que falta para você passar nesse mundo? - indagou como quem estava ávido por conhecimento.
- Uai, nada... já fiz o que pretendia e já passei pelo que devia. Uma coisa só que faltou...
- Ela já sabia o que você falou e ouviu quando você disse hoje mais cedo... só não soube lidar com isso. Logo, logo ela vai saber como lidar. Entretanto, você entende que se despedirá daqui?
- É... foi até boa a minha estada aqui! - disse o velho rindo.
- É mesmo. Não se pode reclamar apesar de tudo. Essa oportunidade que você teve foi única. Agora vamos fazer o que você está pensando?
Passa dois segundos e o estranho fala para ele abrir o olho. Ele não enxergava nada fazia mais de 60 anos. Nem se assustou com alguns móveis bem estranhos que viu, apenas sorriu. A pessoa do seu lado, agora em pé, virou e disse sorrindo lindamente:
- Vamos à mangueira agora?
Fazia muito tempo que não sentia o chão. Na cadeira de rodas ele gostava que deixassem seus pés encostando no chão para ver se ele sentia alguma coisa nem que fosse em um piscar de olhos, mas nunca sentiu nada. Quando andou, não sentiu vontade de correr - como pensou que seria ao sonhar com a possibilidade de voltar a andar - mas apenas de olhar para os pés e o chão. Sentir o chão e sentir-se livre. Era um sentimento maravavilhoso.
Alguns momentos após, estavam os dois em frente da mangueira na frente da casa dele. O velho não se conteve e chorou... se lembrou de tudo que ocorreu por causa daquela mangueira. Se lembrou que, quando ficou sabendo que ficaria cego em algum tempo, lembrou-se que a mangueira sempre esteve com ele desde a infância, além de lhe proporcionar milhares de momentos maravilhosos, foi onde aprendeu o conceito de universo... lá na tronco mais alto da árvore, olhando para o horizonte, e disse para si mesmo que aquele momento seria a razão de ele querer sempre ver mais e mais, saber mais e mais. Crianças sonham, pensou ele, crianças sempre sabem o que vai acontecer, e só com a velhice se sabe o que se perdeu quando se foi adulto.
Uma vez ele quis fazer uma cavalgada de uma cidade a outra, já velho, e todo mundo não o aconselhou devido a cegueira, e ele consultou aquela mangueira - a única que sempre o ouviu. Ele nunca tinha feito aquilo de falar com uma árvore, mas a mangueira começou a guiá-lo através do cheiro até um fruto maduro. Para ele era o sinal perfeito, mas, infelizmente, foi nessa cavalgada que ele perdeu os movimentos das pernas. E também nunca mais comeu uma manga sequer. Nesse momento passado e nesse momento que ele está agora, prestes a ir encontrar Deus, ele entendeu tudo. Entendeu que não desperdiçou a vida, mas não soube aproveitar o que de melhor ela o ensinou.
O seu guia o chama e diz:
- Hora de voltar para a cama e irmos. vamos?
O senhor pega uma folha e a amassa para sentir o cheiro daquela árvore pela última vez. Não quis chupar nenhuma manga; percebeu que não merecia por ter culpado ela pela deficiência física que tinha e não deveria retirar nada dela mais. Apenas guardou a folha no bolso e o cheiro na sua mente, como sempre fazia de costume com tudo que gostava que era de árvores.
Já no quarto, sentou-se na cama, deitou-se e respirou fundo mais uma vez. O estranho guia senta ao seu lado, pega-lhe a mão e segura forte. Olhando nos olhos do velho, mas passando uma confiança tremenda, diz:
- Quando eu soltar sua mão, nós iremos. Está pronto?
Enquanto o guia falava, a esposa, que estava quase entrando no portão na frente da casa, pára sem razão e fita a janela do quarto. Não percebe ninguém no quarto, mas sente algo. Algo que, por um lado, a alivia, mas que dói muito e lhe traz solidão. Ela não tem vontade de correr lá para dentro, mas se ajoelha e reza, chorando, de olhos fechados. Sente um beijo nos lábios e ouve um susurro no ouvido, com as palavras que ela mais amava ouvir: "eu sempre te amarei".
Lá dentro, as mãos iam se separando lentamente e antes de se separarem novamente, o velho diz:
- E a folha no meu bolso?
O seu estranho guia fala:
- Ela vai entender. - e o velho segura a folha com a outra mão.
As mãos se separam. A mangueira começa a florecer a sua última entrega de frutos. A sua esposa diz que o ama, baixinho, já sentada ao lado dele na cama; e sabe que ele ouviu, trazendo um pouco de conforto ao coração dela e dele. Quando pegou uma de suas mãos, um cheiro inesquecível inundou o quarto: o do lugar onde se conheceram. E assim, para ela, nunca terá um pôr do sol tão lindo novamente, somente o que acontecerá quando ela o encontrar de novo.