domingo, 25 de novembro de 2007

O vôo.

De volta, e ouvindo a velha, boa e transcendental Saturate do Chemical Brothers.


Da janela de seu quarto, o pequeno garoto olhava as estrelas. Olhava-as incessantemente, como que se estivesse procurando por algo. Alguma razão para aquilo tudo que vivia e, acima de tudo, uma resposta. Não sabia ainda por quê ele não conseguia voar como todos os pássaros do mundo: já tentara, mas sempre se esborrachava no chão. Não entendia por quê ele não podia simplesmente sair voando e deixar as coisas que lhe aborreciam no chão: desde os brinquedos quebrados, a tarefa chata que a professora passava, os amigos que ficavam doentes e as brigas comuns dos pais. Ele dizia para o céu que, caso ele voasse, ele voltaria depois para arrumar os brinquedos, fazer a lição, esperar os amigos se curarem e... e... ficaria quieto durante as brigas dos pais.

Só que naquele dia, a briga dos pais estava muito diferente. Já estavam na fase de que não se importavam mais dos filhos ouvirem. Eles gritavam alto, jogavam coisas e depois sempre vinham descontar algo nele e na irmã... da pior forma possível.

A irmã dele dormia na cama ao lado da dele. E dormia com medo e não conseguia mais sonhar.

O garoto olhava o céu ainda... mas estava deitado. A briga tinha acabado. Debaixo do seu colcha, ele via só um pedaço do céu que sempre estava acostumado a ver. E exatamente nesse pedaço ele viu o que sempre esperava. O sinal.

Ainda mais novo, sua mãe, antes das brigas, contava que estrelas que caem do céu eram penas das asas de anjo e que dava direito a quem as visse, de fazer um pedido. Ele não titubeou e fez o pedido. Acordou a irmã, pediu para ela não fazer barulho porque ele ia realizar o maior sonho dela. Os dois iam em direção da porta da frente, de pijamas e pantufas; passou pelos pais, que tinham voltado a discutir um pouco e, assim, não os viram. Abriram a porta e o menino pegou na mão da irmã e começou a correr como nunca... os cachorros que estavam na rua e nas casas começaram a latir e, os que podiam, corriam atrás deles. Na verdade, os protegiam de qualquer coisa, acima de tudo.

O garoto não tirava os olhos do céu quando podia. Via a estrela cadente seguindo para frente deles e, quando olhou para frente, viu um despenhadeiro. Virou para a irmã e disse que quando ele falasse para ela pular, ela teria que pular o mais forte possível e fechar o olho que daria tudo certo. A irmã, apreensiva, não gostou da idéia inicialmente, mas, no fim viu que daria certo e soltou um pequeno sorriso de aprovação.

Ao se aproximar do despenhadeiro os dois aceleraram, os cachorros ficaram para trás (tristes, pois o garoto gostava muito deles e os tratava muito bem, apesar dos pais sempre brigarem com ele por causa disso). Por fim, saltaram. A irmã, de olho fechado, não abriu. O garoto olhava para cima e com o braço esticado tentou alcançar a estrela. A estrela brilhava como um brinquedo novo, uma realização única. Ele sabia que ninguém nunca havia tentado aquilo, nem nos livros de história que tinha; e que ele iria conseguir e quem sabe virar um livro de história.

Voar é algo único, sentir o vento no rosto e tudo mais é a expressão material de liberdade. O garoto vira para a irmã, que ainda estava com os olhos cerrados e diz que ela já poderia abrir o olho. Ela abre e vê tudo lá embaixo pequenininho e ri... o irmão diz que a mamãe estava realmente certa: estrelas cadentes são penas das asas de anjos. E ainda disse que agora ela poderia voltar a sonhar novamente, deitada numa nuvem qualquer.