domingo, 7 de setembro de 2008

Correr gritar sangrar pensar, nessa ordem.

Sempre quis fazer algo com essa música. Sempre achei ela muito louca: Brainstorm, do Arctic Monkeys, cd de 2007 (Favourite Worst Nightmare). Aproveitem. Ahh... estreiando mais novo player... a saga continua !! ahuahuahuahu





Lá no fim daquele corredor se via a luz do sol que brilhava na rua. No outro ponto oposto a porta lá estava eu parado, na escuridão. Eu estava desesperado. Afrouxei um pouco a gravata, deixei o paletó no chão e olhei para o sapato: ia ser complicado ficar com ele, mas seria pior sem ele. E então, eu comecei a caminhar em direção à porta, e fui acelerando, pegando o pique e, quando percebi a primeira gota de suor, comecei a correr freneticamente.

Tipo o Forrest Gump, tipo quem já atravessou o mar Vermelho, igual quem corre do perigo; entretanto, eu não queria parar para abrir a porta. Fechei o olho, coloquei a mão no ouvido, comecei a gritar e fui em direção, à todo vapor, daquela porta. É engraçado... tampei o ouvido... acho que era, basicamente, porque não queria ouvir mais nada do que ocorria. Queria só correr. Gritar foi um capricho mesmo, meio que para assustar, meio que para realmente me isolar acusticamente do resto. E, quando vi, dei com a cara na porta.

A física não falha. E eu não sou nenhum super-herói. Lei de Newton aplicada... a terceira, não é? Sei lá... só sei que do jeito que eu bati nela, eu voltei. Por isso o galo na testa... quem estava de fora da porta e passava perto deve ter se assustado com barulho, já que, depois da batida, fiquei um pouco deitado no chão, analisando, o nariz sangrando. Levantei, abri a porta, dei uns cinco passos para trás, coloquei as mãos nos ouvidos (cada um em seu lado, sem cruzar... sabe? Então...), e saí correndo, gritando e com o nariz sangrando.

Minha gravata estava encharcada de sangue, mas, tudo bem... acho que não precisaria dela mais. E eu corria, assustava as pessoas, ninguém entendia. Só que foi bom, viu! Experiência legal. Eu corri uns cinco quarteirões bem, depois fui cansando. Quando eu vi a loja daquela velhinha hare crishna, que só vende coisa natural - acho que ela vive de fotosíntese - foi que parei. Sei lá... essa coisa espiritual, de, sei lá!, acreditar em algo não-palpável, sempre me intrigou. Nunca tive foi tempo para participar, entende? Vida moderna é foda, cara! Quando se tem 200 canais em casa, home theater, uma LCD e uma jacuzzi é meio competição desleal... [risadinha amarela] Convenhamos, né?

Mas, aí, na loja, eu entrei. Contei para a velhinha a história, que bati na porta, que vim correndo (eu já estava hiper suado... vida sedentária, já viu, né?), que tinha medo dela. E ela me perguntou o por quê disso tudo. Puxa, foi complicado. Fui lá no meu mais profundo eu e vim falando para ela. Acho que resumi minha vida em uns cinco minutos e 40 segundos, sabe? Contei para ela o que estava passando aqui e lá na empresa e tal... ela entendeu e achou legal que eu contasse isso, sabe?

Aquele esquema meio revolução, meio contexto histórico favorável, meio por fogo no mundo e tal. Por isso, aqui... nessa documentação está o que vocês precisam para por fogo no mundo... devo ter perdido alguns papéis na correria, mas eu vim direto; ela me deu um chá de ervas que, putz!, eu pensei tudo que eu não tinha pensado na minha vida inteira. Algo imprescionante. Meio sem noção, pensando sem pensar no que tá pensando, aquele mar de idéias, aquelas tempestades... brainstorm, sabe?

Mas, assim, não fiquem achando que com essa papelada vocês irão dominar o mundo... hã hã! Do lado de lá é pior. Eles tem até a cor preferida da filha mais nova da empregada, que só vai uma vez por semana, de vocês. Por isso o fogo no mundo, entendeu? E, ó, vou voltar correndo para lá. Tenho ainda mais coisas para fazer, tipo uma revolução, sabe?

Só para saber: algum de vocês tem um fósforo aí? Esqueiro, não... fós-fo-ro... É mais glamour... e, ó, avisa para o segurança que eu não tenho AIDS não... falei só para eles me deixarem passar. Engraçado como todos nós temos medo, não é? Nem importa tamanho nem nada. E nem bomba... quer dizer, a velhinha me deu uma dinamite aqui, mas, pô, é só de erva, essas coisas que ela vende: incenso e tal. Vou até deixar aqui.

Última coisa... ó, obrigado pelo fósforo... então, aqueles lenços de papel, sabem? De limpar, todo perfumado. Alguém tem? Tenho meio uma paranóia quando vejo meu sangue... opa! Obrigado, moça, vou levar a caixa, tá? E obrigado a todos pela atenção, vou sair de fininho, sem atrapalhar ninguém.

[Vai fechando a porta e, antes de fechá-la, num espaço onde só cabia o rosto dele, ele vai fechando e mostrando o sorriso, no mínimo, complexo que ele dava. Sorriso que nunca mais sairia da cabeça de ninguém; nem minha, nem sua.]

terça-feira, 29 de julho de 2008

Sonho e Loucura

Voltando devagar à escrever, começo a escrever esse que sempre quis. Com a música Prehensile Dream do The Bad Plus, banda de jazz que sempre gostei. A música é do CD Suspicious Activity de 2005 e vale muita a pena ouvir, é espetacular.

p.s.: troquei o servidor de podcast. Deu errado e cansei de procurar um podcast host bom... então vamos de youtube mesmo. =]



Olívio ia dormir sempre do mesmo jeito: no seu pijama de seda, na sua cama king size, com a mulher que todos desejavam, na mansão que todos sonhavam. Apesar da sua idade - estava na casa dos cinqüenta - sentia-se jovem o bastante para almejar sempre novos objetivos. Muitas vezes era por pura ganância; era simplesmente por querer "colecionar troféus", materializar as coisas e as pessoas. Por isso, era considerado um homem rico, bem sucedido, mas pouco ligado a valores sentimentais. Perguntavam-lhe o por quê de ser assim tão arrogante; ela respondia que era porque ele merecia.

Merecimento foi a palavra que cerceou a vida dele e, toda noite, quando ele ia dormir, lembrava-se dos seus maiores feitos e conquistas; no fundo da sua mente, ele ouvia uma pergunta, bem baixinho, que indagava se tudo aquilo valia a pena. Por isso ele sempre demorava para pegar no sono e dizia que tinha um pouco de insônia pela preocupação que os negócios lhe davam. Mas não, era sempre aquela auto-crítica que o corroía. E Olívio se sentava na cama, olhava seu quarto gigantesco por inteiro e sentia-se vazio. Sempre que ficava assim, costumava pegar uma colher de prata que o pai dele lhe havia dado logo quando Olívio saiu de casa para fazer a vida e lhe fez prometer que só usaria aquela colher em um momento nos qual não havia mais saída, a não ser se desfazer daquele talher.

Enquanto fitava a colher, o sono vinha e o embalava, debaixo de maravilhosos lençóis de cetim e edredons importados. Seu olho fechava e ele esperava um sonho; este que não vinha novamente havia anos, muitos anos. Foi quando tinha uns dezesseis anos, na noite de Natal, quando sonhou com um brinquedo que nunca teve. Desde lá, nem sequer um pesadelo preenchia suas noites de sono. E ainda com a colher na mão, ele sentiu-se ficar leve, naquele momento que o sono vem e nos leva.

Logo depois, sente o sol nos seus olhos, atrapalhando seu sono. Perguntou-se se já era de manhã. Nesse pequeno momento de lucidez percebeu que seu colchão não estava muito bom e que tinha passado um pouco de frio à noite, além de perceber alguns cheiros diferentes no lugar. Ele tenta fechar os olhos para dormir e não consegue. Ficava imaginando quem pode ter sido a pessoa que abriu as cortinas da janela. Olívio, então, abre os olhos por completo. Não vê as cortinas e nem as janelas, nem seu closet gigantesco, nem sua cama, nem seus lençóis, nem nada. Seria um sonho? Finalmente ele estava sonhando? E então, tenta se levantar, mas percebe que dormiu no chão e só se senta. Olha para a frente, no horizonte, o sol está nascendo com sua cor e calor únicos; o que deixa Olívio maravilhado, pois fazia tempo que não prestava atenção nisso.

Mas, tinha algo errado. Quando consegue se acostumar com aquela luz no rosto, vê que está dormindo na marquise lateral de um restaurante de posto de gasolina. No chão, em meio a trapos, com mais gente. Parecia sua família, pois havia duas crianças e uma mulher, como na vida real. Acha engraçado a verosimilhança entre o sonho e a vida real, e, para finalizar as coincidências, ele sente fome. Mas, uma fome que nunca sentiu: aguda e persistente, fazendo-o assustar com o que estava sentindo e procurar formas para sair daquele sonho. Tenta se levantar, mas tem dificuldade, pois encontra vários machucados pelo corpo e um sapato seu não tem sola quase nenhuma.

Olívio verifica suas roupas. Todas sujas e rasgadas, seu cobertor era horrível e pequeno para o corpo dele e mais ao lado tinha uma pequena mochila com seus pertences. E como ele fedia; não estava se aguentando. Esse sonho estava real demais. E então ele caminha em direção ao posto e tenta falar com um dos frentistas; sem sucesso, é mal tratado e escurraçado pelo rapaz... que, aproveita, e pede para ele sair dali para não espantar os clientes.

Olívio começa a se desesperar com aquilo tudo... caminha de costas olhando para o frentista, assustado; tropeça e cai. Ao cair, olhou para cima e o céu estava lá, azul e lindo ainda - naquele momento lhe deu uma paz tão grande, achou que ia voltar do sonho. Bateu a cabeça no chão com tudo e fechou os olhos. Quando abriu-os novamente, o mesmo céu. Fecha e abre-os de novo. O mesmo céu de novo. Levanta, agora com um galo na cabeça e vai para onde estão as suas coisas.

Chegando lá, olha ao lado, vê a mulher e os filhos. Acorda-os e tenta se explicar. Eles só falam que estão com fome e aonde seria melhor para mendigar. Olívio os ignora e pega sua mochila ouvindo os gritos de sua mulher e filhos perguntando aonde ele iria. Ao pegar sua mochila, algo cai no chão e o barulho o chama a atenção... parecia familiar. Ao olhar, verifica que é a colher de prata do seu pai, da escrivaninha do lado da cama de dormir...

Mas que cama, que escrivaninha, que pai? Ele não era mais ele mesmo. Era um indigente! Fora de si, pega a colher e a joga longe... grita e se desespera mais ainda. Xinga a tudo e todos, roga pragas. Sua família vem atrás dele e não entende o que ocorre; nesse meio tempo, alguns funcionários do posto já tentam expulsar a família de mendigos do local. Olívio já se dirigia à rodovia e, ao passar pela colher que havia jogado longe, a pega e a inspeciona... está limpísima... tanto que na cavidade côncava consegue ver uma imagem do seu rosto: uma barba espessa e suja, cabelo mal cortado e grande, dentes sujos e boca machucada.

Segurando a colher, sai correndo desesperadamente deixando a confusão para trás, até que fica num lugar mais silencioso. Olha para trás... sua família acaba de sair do posto. E o segue de longe, uma distância boa. De onde está, consegue ver a sua mulher gesticulando para ele esperar. Olívio pensa. A colher é apertada pela sua mão direita e, desse jeito, resolve ir em direção da sua família.

No meio do caminho, desvia do caminho e vai para o meio da rodovia. Um caminhão vem na direção contrária em alta velocidade, tenta frear e desviar. Não consegue e pegará Olívio em cheio. No segundo antes, vem tudo à sua mente: quem ele era, o que ele fazia, o que ele queria... tudo fica claro e simples.

No segundo depois, ele acorda como se fosse de um susto e dá aquela respirada funda. Está em uma cama. Em um hospital, ligado à vários aparelhos que, com a súbita levantada da cama, se desconectam e começam a apitar freneticamente. Logo depois, entra uma enfermeira que o olha e sai pelo corredor dizendo alguma frase que foi difícil de entender... falando como se ele tivesse acordado. Ela volta e diz para ele se acalmar, pois tinha acabado de acordar de um coma. E que tudo seria explicado.

Ele olha ao redor. Não reconhece nada. Passa o olho na escrivaninha ao lado da sua cama... fica tentado ao abrí-la, não sabia por quê. Ele vai a abrindo devagar, e vai se formando a imagem de uma colher de prata. Olívio a pega e sente algo muito estranho, sabe que ela é mais que uma colher... é como uma chave. Nesse momento, ele percebe que não sabe quem é, não sabe o que estava fazendo ali. Então, ele deita... pela janela do quarto o céu estava azul. Segurando fortemente a colher, ele fecha os olhos e dorme novamente.

domingo, 6 de abril de 2008

Caminhos cruzados

Como faz tempo que não entro e não posto nada... vou recomeçar devagarzinho. Mas, estou cheio de idéias... :D
Esse conto vai para a minha namorada Flávia, que faz da minha vida um belo conto de amor. Música do Monobloco, show ao vivo em 2005, um pout-pourri de Orixás (do próprio Me Anunciação (essa do mega Alceu Valença).


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Um certo rapaz viajava por uma estrada. Sua cabeça estava focada na estrada, seus sentidos aguçados para não passar por problemas. Mas, sua mente estava longe. Há quilômetros dali... tentando imaginar como batia o coração de uma mulher. Uma não, a sua amada, 'A' mulher. A que provocava suspiros nele de forma quase cadenciada. Suspiros quase religiosos, diários, longos e que davam até pena caso você prestasse atenção.

Já no seu destino, numa avenida que o levava em casa, mas que tinha o mesmo nome da cidade onde seu amor estava, uma avenida reta e tranqüila de andar... ainda mais num domingo na hora do almoço. Então, ele parou no primeiro semáforo e fechou os olhos. Imaginou que a avenida o levaria para ficar do lado do seu amor, na cidade de mesmo no me da avenida.

Uma buzina repentina mostrou que mais alguém queria chegar no seu destino, seja esse qual fosse. Ele acelera e começa a imaginar a avenida como uma ponte, que iria deixá-lo em frente à nova morada.

Numa sacada do destino, ele lembrou que a casa dos pais dela ficam em quarteirão cuja rua corta essa avenida. E que esse quarteirão é delimitado por essa avenida. Que coincidência engraçada. Será o destino? Seria um sinal?

Para ver se não haveria alguma mandinga ou amarração nisso tudo, perto da rua aonde os pais da sua amada moravam, ele tem a seguinte idéia: dar a volta no quarteirão e pensar forte que a avenida iria levá-lo para aonde ele mais queria. Ele dá a volta no quarteirão, olha a casa dos pais da sua amada, pensa bem forte e tem um passageiro sentimento que isso daria certo. Dá uma acelerada para dar a volta no quarteirão mais rápido possível. Volta a avenida... faltando já poucos metros para ela acabar, num semáforo. Dá uma acelerada, pega uma impulsão (ele tinha a certeza que o fim da avenida era o início de uma linha reta que acabaria na janela dela), e em segundos estaria do lado dela.

No fim da avenida, tem outro semáforo. Ele estava verde, daria para pegar o impulso; entretanto, no último segundo, ele fechou e o vôo teve que ser abortado.

Porém, o rapaz não ficou triste. Achou engraçado o destino brincar com ele. E o destino provou que eles ficariam juntos ainda muito tempo, o sinal estava verde para qualquer coisa, menos naquele momento... era para aumentar a saudade e o reencontro ser melhor.

E para fechar, o destino ainda mostrou, com total certeza, que tudo aquilo gerou um suspiro na sua amada, seguido de um belo sorriso (daqueles que hipnotizavam o rapaz) e um pensamento demorado nela, que girava em torno da idéia do tamanho do amor dos dois; mas, girou também em torno da idéia fixa em relação ao tanto que o rapaz era bobo, um crianção, o neném dela. Isso fez, e eu sei que fez, os dois sorrirem ao mesmo tempo e terem cada vez mais a certeza dos sentimentos. E o destino ainda os fizeram olhar para o céu ao mesmo tempo, olhando para o mesmo lugar. Só para provar que ainda fará muita coisa pelos dois.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Alma vira-lata

Um dia de cão é um dia de cão. E cachorro é um animal que sabe como derreter o que quiser, chegando a ser insuportável às vezes sua dedicação. E quando falo em cachorro eu disse cachorro, não alguns animais malucos que saem matand0 velhinhas inocentes. História baseada, e bem "ficcionada" (não teve nenhuma cheirada na realidade), numa passagem ocorrida com a grande amiga Eugênia, mais uma vez ajudando o blog andar. Para acompanhar, Tim Maia cantando Réu Confesso, que confesso, não combina no início, mas do meio pro fim...


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Em uma tarde comum, daquelas de demoram para passar, daquelas que dá para se ouvir os passarinhos cantarem e brincarem na fonte mais próxima... que o carteiro faz suas entregas preguiçosamente pensando em coisas que estão bem longe dali, mas bem mesmo; entretanto, ela estava irritadíssima. Parecia uma versão feminina do personagem principal do filme "Um dia de fúria", mas sem armas de fogo; suas armas eram o olhar fulminante e imperdoável, os passos fortes indicando uma raiva incomensurável, lembrando uma marcha de exército.

Pensava em como seria interessante um míssil cair nos prédios a frente dela, ou uma acidente envolvendo 53 carros, ou até a explosão da padaria do português: ia ser ótimo vê-lo correndo e gritando: "esqueci o fogão ligado de novo, ó-pá!" e um sonoro bum! vir depois. Mas, o que ela queria que voasse pelos ares era o banco que ela acabou de sair: muito quente, cheio de gente e não resolveu nada que era tão urgente. Nem a rima impensada tirou um sorriso dela. Marimbondos desviavam dela, cachorros bravos nem ousavam fitá-la, velhinhos rabugentos a temiam.

E para fechar o pacote de ódio puro, seu cadarço desamarra. E ainda o esquerdo! Ela percebe o problema, mas pensa primeiramente num milésimo de segundo antes de esbravejar mais um pouco: "Deus está me testando". Agacha para arrumar o bendito cadarço e pronta para imaginar um acidente atômico, sente algo cheirar ali por perto aonde ela estava. Torceu de coração para ser um tarado para ela poder socá-lo até a morte dele, depois chutá-lo até passar sua raiva.

Olha para trás, um vira-lata. Filhote, daqueles indefesos, deitados no chão. cara de sofrimento puro, olhos grandes e negros, focinho molhado. Pele negra, com umas manchinhas douradas. Rabinho parecendo uma minhoca viva no anzol, não para um segundo. O pelo bastante bagunçado: era um cachorro-filhote-mendigo.

Mas, nem esse pacote desbanca o ódio na garota. Apesar de que, por um momento, ele abaixou a guarda dela muito rapidamente. Ela dá uma ignorada no cachorro, que aumenta a intensidade da cara de dó. Ela levanta, se ajeita um pouco e continua a caminhada; mas, agora sem pensamento... pois só ouve alguns pequenos batidos de unha no chão, daqueles que passam despercebidos porque qualquer ser normal. Entretanto, para ela, reverberavam em todos os nervos do seu corpo, aumentando seu ódio.

Ela vira para escurraçar o cachorro, empacotá-lo e enviá-lo para o lugar mais ermo do mundo, e quando ela encara o cachorro... ele olha para lado, dá uma latida e vai em direção para onde ele latiu, no meio de um gramado de uma praça.

Melhor assim!, a estressada pensa. Continua seu caminho, e quando percebe, o maldito cachorro sai de uma moita, tentando voltar a segui-la em escondido. Ela deixa-o chegar perto e se volta a ele e grita, num momento de vitória:

- Ha! Ha! Te peguei!

O cachorro senta, olha para ela com a cara meio torta, põe a língua para fora, faz um grunhido de "que que você quis dizer?". Depois tenta coçar a orelha e cai no chão por falta de equilíbrio. E assim, os dois vão, até a porta da casa dela; aonde ela se despede de seu guarda-costas, ambos mais alegres, fecha o portão e segue sua vida.

Um dia depois, ela está no sofá, derretida, assistindo televisão. Compenetrada no que via, o vira-lata era quase uma lembrança vaga. Até que um latido forte estremece a sala. A garota quase sofre um enfarto e quando vê é o vira-lata de ontem, com uma cara de fome espantosa. Mas como? Depois foi descoberto que ele entrou por um pequeno vão no portão e escondeu-se na garagem, que já fedia como ele.

Pulguento e fedido, tinha uma cara de mané inconfundível que era apaixonante, e era assim que ele comparecia a reunião familiar para deliberação acerca de sua situação: ficaria ou iria de volta para rua? No outro minuto, já estavam escolhendo seu nome, ligando para a veterinária e a mãe já imaginando-o com roupinha de frio em agosto.

Por um humor negro momentâneo da família, ele foi batizado de Somália, uma vez que fome era algo que ele tinha 22 horas por dia; nas outras duas ele dormia. E também foi o nome menos polêmico. As outras opções eram Edir Macedo e Maomé. A garota que o achou queria demais Edir Macedo, mas os vizinhos evangélicos não iriam gostar de gritos como "pega, Edir! Pega!" e um vira-lata ir na direção do perigo. Atitudes assim não são nada diplomáticas e podem iniciar uma guerra.

Somália, claramente, preferia a menina que ele perseguiu dias anteriores. Brincava, fazia poses, chamava a atenção dela. Ele tinha uma carência enorme de uma figura materna e a elegeu sua "mãe". Apesar de parecer uma cadela no mundo dos cachorros, se sentiu lisonjeada com o novo cargo. E pensava, sentada na varanda e vendo o cachorro brincar com flores e bichinhos, como era bom ser vira-lata. Vira-lata mesmo. De rua. Que tem essa alma tão simples, humilde e pura. Era um cachorro dissimulado quando queria algo, sincero e amigo quando via alguém triste e bravo e valente (até certo ponto) quando sentia perigo. E vivia pelo mundo sem angústias.

E tentou imaginar o por quê dele ser tão ligado a ela a ponto de que a mãe da família falar que a garota era a mãe do Somália. Olhava para longe, no horizonte e se perguntava: eram instintos maternos aflorando apenas? Ela já cheirava como uma mãe? E quando ele crescer e sair de casa? E também a garota ainda se sentia muito nova para ser responsável por outro ser vivo! Não se sentia preparada! E uma angústia tomou seu íntimo a ponto que já imaginava ela deixando o Somália morrer de fome, de sede, algo bizarro assim... até que ele veio brincando com um graveto na boca para o lado dela. Ao vê-lo, toda a angústia sumiu.

O que apareceu foi uma vontade de pegar o graveto da boca dele e brincar. Não titubeou, pegou o graveto, ficou brincando como o mesmo no ar, fazendo o Somália tentar pegar: pulando e ficando em pé. Por fim, fingiu jogar o graveto longe e escondendo-o atrás de suas costas, fazendo o cachorro sair igual um desesperado na direção do jardim, bater numa cadeira, tropeçar num dos degraus da varanda e revirar o jardim atrás do graveto.

Tinha mil gravetos no chão, mas nenhum servia, apesar do vira-lata morder e babar em todos. A garota pensou: "cachorro burro!" e tentou avisá-lo que estava na mão dela o graveto. Depois de certa insistência, Somália entendeu e voltou para perto dela. Ela repetiu todos os passos da brincadeira e repetiu que ele era um cachorro burro. Mas, no fim, entendeu que o que atraía o Somália nela era um pouco de alma de vira-lata que ela tinha. E um pouco do sentimento materno inerente nas mulheres, claro! Senão, ela não amarraria o cadarço logo aonde o Somália estava lá na praça desde que nasceu.

terça-feira, 1 de janeiro de 2008

Fogos

2007 já foi, não é? Então falaremos de 2008, pois o ano que passou foi interessante: cheio de boas idéias, bons aprendizados; mas com muitas pancadas. Alguém deve ter me avisado para pisar devagarinho em 2007, mas não ouvi, eu imagino. No som, Originais do Samba com Alguém me avisou. Uma das músicas que moldam meu caráter quando isso é necessário. Já sabem como que funciona, né? Aperta o play e, como diria umas certas mulheres, :P vai.


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Esse ano foi difícil para o Pedro. E estava terminando de forma pior: tinha arrumado um bico como vigia de fogos de artifício. Ele era o responsável por iniciar a cadeia de explosão dos fogos, que seguiam uma certa ordem e, assim, formavam diferentes formas no ar. Além de óbvio, garantir que explodam. Faltavam poucos minutos e ele não poderia estar mais deprimido.

Tentava pensar que tudo aquilo valeria a pena, pois ajudaria sua família a ter um primeiro dia de ano melhor. E enquanto pensava nisso tudo, colocava sua "farda" de segurança: capacete, roupa anti-fogo, botas anti-fogo, máscara e protetores de ouvido. Foi para trás de sua cabine de segurança, deu os últimos comandos de direção na balsa e esperou a contagem.

A cada segundo que ia contado na regressiva, ele pensava em alguma coisa importante. No primeiro, o décimo, ele pensou no dia que nasceu. Não lembrava de nada, óbvio! Mas, se perguntava se ele havia trago felicidade para lar que entrou. Lembrou de fatos da infância simples e no nono segundo lembrou do seu pai comemorando um gol que ele fez no campeonato da favela... um golaço, levando o título do campeonato dos meninos menores de sete anos. Viu sua mãe chorando ao ver ele comemorando o gol e não ficou triste ao perceber que não tiravam fotos dele, como a família de alguns amiguinhos mais abastados.

Mas, tudo bem! Tudo bem devagarzinho na vida, no oitavo segundo, pensou na foto que fez do filho que nasceu a alguns meses. Comprou uma câmera daquelas digitais, de última geração... financiou até o máximo que podia e que deixou em suaves prestações. Todas válidas! Tirou fotos digitais do seu filho. Uma felicidade única! No sétimo segundo, lembrou da sua irmã: ô menina que foi encapetada, credo! Hoje, enfermeira Madalena. Ajudou em tudo no parto do seu filho. Da cama ao médico, conseguiu tudo com a sua simpatia e beleza. No bom sentido, claro.

No sexto segundo, lembrou da irmã tentando ensinar o que era ética para ele e o irmão quase da mesma idade, o Tiago. Tinham acabado de roubar dois doces da padaria do Badeco. Achavam ruim porque ela ficava assim só porque estava estudando, quase entrando na faculdade. Quinto segundo e diminuindo, e pensava sobre ética. Torcia para que ela se espalhasse pelo mundo nesse novo ano.

No quarto segundo, lembrou da Bahia e que veio de lá muito pequeninho, da família, da história sofrida, das batalhas ganhas. Prometeu que iria voltar para lá esse ano, só para ver se estava tudo certo, tudo no lugar. No terceiro segundo, prometeu ensinar samba para o seu filho o mais rápido possível, para quando voltar para a Bahia, o filho já ser estrela. O menino não poderia não herdar do pai a arte da dança! Lembrou do rosto dele ao sair de casa, pois explicou para ele que iria fazer o céu brilhar hoje como nunca brilhou. No seu colo, Pedro apontava para o céu e explicava que aquilo ia brilhar hoje por conta dele; e, num momento único, viu o sorriso encantador da sua mulher, cuja beleza não foi castigada pelas dificuldades da sua vida.

No segundo segundo, pensou que era engraçado falar "segundo segundo" para explicar que faltava dois segundos para o ano novo e lembrou que, quando ainda tentava só dar um belo beijo na sua esposa, pedia a Deus encaricidamente dois segundos da atenção dela. Teve os dois segundos, conseguiu abrir uma pequena brecha naquele coração. Mas precisou de mais de dois meses para arrancar o primeiro beijo. E no primeiro segundo, pensou na sua mãe e no seu pai. Mãe e pai... mãe que sempre avisava para ele para pisar nesse chão devagarzinho, bem "devagarinho". E o pai, sempre um pouco imediatista, falava que samba e mulher só daria em problema para a vida dele. E culpava a mãe por ter colocado ele no samba, entretanto, no fundo, tinha uma baita inveja dos dois.

Pedro aperta o botão. Os fogos começam a explodir numa sintonia única. Parece que diziam para ele que o ano novo seria maravilhoso. Que a banda de pagode ia virar sucesso. Que o filho ia ser ponta esquerda e jogar na Europa. Que a mulher dele ia continuar aquela pessoa que encantou ele demais. Que os irmãos continuariam sendo seu porto-seguro e que a irmã dele, caso ouvisse seus pensamentos, ia falar que ele sofre de queísmo. Que, quer dizer... ahh! Que sua mãe e seu pai ficariam fortes para vê-lo ser tudo que eles sonharam.

Pedro sai um pouco para fora da cabine de proteção e começa a tirar fotos dos fogos de artifícios. Emocionado, tiras as melhores fotos da vida. As melhores fotos do início da sua nova vida. E nos primeiros segundos do novo ano, começou a pensar em tudo que seria bom: aprender com os erros e sempre procurar evoluir de forma positiva. Não sabia de onde tinha tirado essa idéia, mas sorriu ao pensar nelas... e pediu, lá pelo vigésimo segundo do novo ano, sempre pensar na vida, chorar e rir.

* * *

Nota: dizem que algumas pessoas são escolhidas por alguém maior para contarem seus dez últimos segundos do ano como se fossem os últimos mesmo, pois a partir desse dia tudo iria mudar. Mudar para melhor. E dizem que vale contar dez segundos em qualquer momento. Esse ser maior é super tranqüilo com esse negócio de regras. Eu acredito nisso horrores.

domingo, 16 de dezembro de 2007

Falando como um hipotálamo inconveniente.

Frank Sinatra não foi um ser humano. Foi algum pedido atendido de uma mulher desesperada por um homem perfeito... daí veio o blue eyes. Minha dúvida é: que mulher com uma mente tão desenvolvida pediu um cara como ele? No meu simples julgamento, não há rapaz melhor para externar seus sentimentos por uma moça em especial. No podcast, ele moendo com Loves been good to me. Clica em play e vai lendo o conto. Acabou a música, mas o conto não? Clica no play de novo, faz favor!

p.s.: dedico a uma amiga, a Gaybis que anda odiando algumas substâncias produzidas pela seu hipotálamo e adora ir na casa do Pedrinho.


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No canto da festa, o rapaz pensava no seu hipotálamo. Ele já tinha decorado para quê que servia aquela amêndoa embaixo do tálamo: "controla a temperatura corporal, o apetite e o balanço de água no corpo, além de ser o principal centro da expressão emocional e do comportamento sexual"; e ele odiava seu hipotálamo no momento, mas, no fundo, gostava dele por não lhe dar um dúvidas do comportamento sexual: ele era hétero. Entretanto, nem isso diminuía sua raiva pelo seu próprio hipotálamo.

Hipotálamo, este, que se comportava muito mal nos últimos meses. Um pé no saco. O confundia, o estressava, o deixava triste por nada, o deixava alegre por ser livre... não tinha um comportamento contínuo, não seguia uma linha, nem que fosse depressiva-compulsiva: ele não se decidia. Convenhamos que ele passou um período de adaptação em relação ao último relacionamento coordenado por ele, mas, peraí! - pensava o rapaz - aí já tinha virado bagunça.

O rapaz tinha encrencado que seu hipotálamo era o responsável pelo seu faro por outras mulheres. E estava errando demais: deixava ele ansioso ao ver uma nova possibilidade, deixava ele nervoso na espera por notícias de uma nova possibilidade, e, no fim, sempre tinha apontado para a mulher errada.

O show continuava e sua cara de insatisfação piorava. O seu hipotálamo, na melhor das intenções, o avisa que isso estava espantando as mulheres e que chamaria o sono já já caso ele não parasse com essa bobeira. Agora o cara ria do coitado: agora esse maledetto quer ajudar, é? Então, o rapaz começou a pensar em tudo que estava acontecendo, todos os seus relacionamentos até o momento. Em um julgamento um pouco superficial, achou que não tinha feito lá muita sacanagem para merecer tamanha sacanagem do seu hipotálamo.

A festa continuava, ele decidiu que ia convidar alguém para dançar, sem pensar no que já tinha acontecido em seus relacionamentos. Seu hipotálamo, inconveniente, não diz nada. Ele liga o radar, com a ajuda do inconveniente, e procura as moças. Acha uma, cruza o olhar com ela, ela ri, o hipotálamo cuida de fazê-lo suar um pouco, dar um pequeno nó na barriga e encher seu coração de dúvida e uma dor estranha. Seria uma ligação com o seu passado que o hipotálamo estava tentando deixar conectada? Por um segundo, percebeu que quem estava com mais medo de toda essa nova vida era o maldito pedacinho de massa cerebral abaixo do tálamo.

Riu dessa pequena amêndoa com tanto poder que, apesar de tanto, é mais covarde que o resto. Disse para o seu hipotálamo: "calma! Eu estou no comando agora...", e, na hora, não titubeou ao analisar se uma pessoa que tem um relacionamento tão próximo com seu hipotálamo não precisaria de um psiquiatra. Apagou esse pensamento negativo para não trazer azar. E ele podia ser tudo, menos maluco. Tinha certeza.

Ao se dirigir ao encontro da moça, numa última tentativa desesperada, o hipotálamo fez suas pernas balançarem, dizendo que "não! Eu ainda não estou pronto!". Nada feito: balanceamento totalmente controlado e que, cuja vitória sobre o desesperado, foi externada com um belo sorriso do nosso rapaz! Falou para si mesmo: "parabéns!" e continuou, com uma confiança de um leão frente a sua presa.

Já a moça sentiu uma mistura de um pequeno prazer, uma vez que seria abordada com tamanho sorriso bonito, mas uma pequena dúvida sobre qual o motivo de tal sorriso. Pensou se ele não a confundira com uma grande amiga ou se ria para outra pessoa a não ser ela... e o rapaz chegava mais perto e tudo piorava... chegou sua visão a ficar turva. Olhou para o lado, pois uma amiga tinha-a cutucado e sussurrado em seu ouvido: "eu falei que ele estava te olhando!". Apesar de poder considerado um comentário que traga mais confiança, foi o inverso: ela queria gritar e, não sabia por quê, dar uma estrela e duas cambalhotas. Suas pernas quase estavam saindo sozinhas fazendo uma bela cena no salão quando o rapaz fala "com licença...".

Muito bem, conversaram. Ambos hipotálamos trabalhavam para o bem da tão nova relação. No fim, nem precisavam se beijar, abraçar, nem nada. As pequenas amêndoas de massa cinzenta dos dois trabalhavam uníssonas, como um relógio, com o mesmo objetivo. Se quisessem abrir uma sinfônica de hipotálamos, seria um sucesso: um assunto emendava no outro, uma dança era melhor que a outra, até os telefones de contato dos dois eram quase iguais - dois números diferentes - e da mesma operadora, o que significava que sairá mais barato os inúmeros minutos de conversação que terão.

Daquela noite, os dois foram embora sorridentes, contaram aos amigos das possibilidades, se encontraram novamente, e tudo mais... e os hipotálamos? No momento, em uma pretensiosa férias para os dois, mas, aquelas malditas amêndoas sabem que elas falam por nós. Esse é o problema.

domingo, 2 de dezembro de 2007

Mudar a planta de lugar.

Destruindo a mente com Chemical Brothers (de novo?) com a música My Elastic Eye, do CD Come With Us de 2002. E agora com novidade. A partir desse conto, a música vai junto... abaixo tem um podcast com a música. É só clicar no play e começar a ouvir e ler o conto. Agora sim ficou tudo perfeito. Mais informações sobre esse podcasting que estou usando: Odeo.


powered by ODEO

Do sofá, se via a planta. De todo lugar se via a planta. A maldita planta via tudo. No sofá, o inimigo "natural" daquela planta a olhava. Com um ódio gigante, apesar de ser uma bela samambaia gigante: presente da mãe para a nova casa. Ele chegava em casa a tarde, a planta o olhava de cima em baixo, como se estivesse verificando se ele tinha feito tudo direitinho no dia.

Nas manhãs de sábado, ela o encarava como se perguntasse se assistir todos os jogos de futebol que passavam na ESPN era o que ele queria para o resto da vida. Nas madrugadas, início das manhãs de domingo, ela o fitava e perguntava o por quê de sair todo dia e beber tanto. Não tinha como, a planta era uma extensão da mãe dele.

No trabalho, ele não sabia o que fazia mais: tinha que aguá-la, cortar as folhas estragadas, conversar com ela - conselho da mãe -, deixá-la tomar sol... e se não fizesse isso a mãe ia ficar muito triste e magoada. Já até imaginou que aquela samambaia era a extensão da mãe, como um espião para lhe mostrar o que ele andava fazendo. Mas, não podia simplesmente matar a samambaia, escondê-la, pô-la no quintal. Era como um cachorro de madame: só podia ficar em casa e tinha muitos tratamentos especiais.

Quando ele ia visitar a mãe, ela tinha mudado completamente. Não pegava mais no pé dele, não criticava seus amigos e "namoradas"; era uma mãe moderna: já utilizava ferramentas da Internet para saber da vida do filho, mas não falava mais do tanto de recados femininos ele tinha no orkut dele e de como ele não tinha uma namorada fixa ainda. Todo dia que ia lá, o café da manhã era especial, e, sempre quando ele chegava, ela perguntava da samambaia. Quando viajava, ele deixava a samambaia com uma vizinha que gostava de plantas.

Na volta para casa, ele pegava a bendita samambaia. A senhora que cuidava dela dizia que nunca tinha visto uma samambaia tão cheia de vida. Em um outro dia, ele, ao sair de casa, deu um beijo na samambaia por engano dizendo "tchau, mãe" e jura ter ouvido um "tchau, meu filho, vá com Deus!"!

Esse assunto já estava deixando-o louco. Foi a uma psiquiatra... o médico receitou para ele descanso. Que a samambaia era uma samambaia e a mãe dele era uma mãe. Disse que era o estresse do trabalho, a vida nova e a falta da mãe. O rapaz não tinha por quê não acreditar. Isso era uma sexta, ligou para a casa da mãe e disse que não ia visitar a família esse fim-de-semana... falou que ia com os amigos a um cruzeiro marítimo no feriadão que começava na sexta mesmo.

Chegou em casa, fez uma mala rápida e partiu para o aeroporto. Os amigos não acreditaram na notícia que ele iria também: era um cara trabalhador, muito responsável, gostava de coisas planejadas com antecedência.

Ao chegar no lugar e partir para pegar o navio, ele ligou para a mãe, a fim de avisá-la de que estava tudo bem e tal. Quando ela atendeu, parecia a samambaia dizendo: "como você se esqueceu de mim?". Não disse nada do esquecimento, mas a voz dela já denunciava uma tristeza sem fim. Perguntou para ela se tinha acontecido algo, ela, com aquela voz benevolente, disse um "sincero" não. Sincero com aspas pois era uma sinceridade que encobria a verdade: ela sabia que a samambaia estava sozinha.

Ele insistiu para a mãe dizer o porquê da tristeza. Nada! Nem com tortura. Ele desligou o telefone e ligou para a senhora sua vizinha. Ela falou que ajudaria, mas não teria como ela entrar na casa! Todavia ela falou que cinco dias ela sobreviveria. Ele chegaria e ela estaria muito seca: era só tratar com muita água, sol e "carinho". Isso o deixou mais tranqüilo. Até esqueceu do problema durante o cruzeiro.

No final do feriadão, a caminho de casa, ligou para a mãe do aeroporto: estava tudo bem. Mas, em casa, ao abrir a porta, viu a samambaia. Rezou para que um milagre fosse operado, todavia, não! Ela estava seca. Achou que até tinha morrido. E nessa hora, um arrepio subiu pela suas costas: se a samambaia podia ter morrido, a mãe...

Ligou para ela. "Alô? Mãe? Tá tudo bem?" e estava tudo bem. Ela estava forte, sem nada. Enquanto conversava com ela e contava como tinha sido o cruzeiro, pensava no psiquiatra... ele estava certo... não tinha nada a ver a mãe e a samambaia. Que associação maluca!

Na despedida do telefone ele manda um beijo para a mãe e ela, antes de desligar, diz: "meu filho, e a samambaia? Ainda bem que não te dei um cachorro, né? Dorme com Deus. Sua mãe te ama!".

domingo, 25 de novembro de 2007

O vôo.

De volta, e ouvindo a velha, boa e transcendental Saturate do Chemical Brothers.


Da janela de seu quarto, o pequeno garoto olhava as estrelas. Olhava-as incessantemente, como que se estivesse procurando por algo. Alguma razão para aquilo tudo que vivia e, acima de tudo, uma resposta. Não sabia ainda por quê ele não conseguia voar como todos os pássaros do mundo: já tentara, mas sempre se esborrachava no chão. Não entendia por quê ele não podia simplesmente sair voando e deixar as coisas que lhe aborreciam no chão: desde os brinquedos quebrados, a tarefa chata que a professora passava, os amigos que ficavam doentes e as brigas comuns dos pais. Ele dizia para o céu que, caso ele voasse, ele voltaria depois para arrumar os brinquedos, fazer a lição, esperar os amigos se curarem e... e... ficaria quieto durante as brigas dos pais.

Só que naquele dia, a briga dos pais estava muito diferente. Já estavam na fase de que não se importavam mais dos filhos ouvirem. Eles gritavam alto, jogavam coisas e depois sempre vinham descontar algo nele e na irmã... da pior forma possível.

A irmã dele dormia na cama ao lado da dele. E dormia com medo e não conseguia mais sonhar.

O garoto olhava o céu ainda... mas estava deitado. A briga tinha acabado. Debaixo do seu colcha, ele via só um pedaço do céu que sempre estava acostumado a ver. E exatamente nesse pedaço ele viu o que sempre esperava. O sinal.

Ainda mais novo, sua mãe, antes das brigas, contava que estrelas que caem do céu eram penas das asas de anjo e que dava direito a quem as visse, de fazer um pedido. Ele não titubeou e fez o pedido. Acordou a irmã, pediu para ela não fazer barulho porque ele ia realizar o maior sonho dela. Os dois iam em direção da porta da frente, de pijamas e pantufas; passou pelos pais, que tinham voltado a discutir um pouco e, assim, não os viram. Abriram a porta e o menino pegou na mão da irmã e começou a correr como nunca... os cachorros que estavam na rua e nas casas começaram a latir e, os que podiam, corriam atrás deles. Na verdade, os protegiam de qualquer coisa, acima de tudo.

O garoto não tirava os olhos do céu quando podia. Via a estrela cadente seguindo para frente deles e, quando olhou para frente, viu um despenhadeiro. Virou para a irmã e disse que quando ele falasse para ela pular, ela teria que pular o mais forte possível e fechar o olho que daria tudo certo. A irmã, apreensiva, não gostou da idéia inicialmente, mas, no fim viu que daria certo e soltou um pequeno sorriso de aprovação.

Ao se aproximar do despenhadeiro os dois aceleraram, os cachorros ficaram para trás (tristes, pois o garoto gostava muito deles e os tratava muito bem, apesar dos pais sempre brigarem com ele por causa disso). Por fim, saltaram. A irmã, de olho fechado, não abriu. O garoto olhava para cima e com o braço esticado tentou alcançar a estrela. A estrela brilhava como um brinquedo novo, uma realização única. Ele sabia que ninguém nunca havia tentado aquilo, nem nos livros de história que tinha; e que ele iria conseguir e quem sabe virar um livro de história.

Voar é algo único, sentir o vento no rosto e tudo mais é a expressão material de liberdade. O garoto vira para a irmã, que ainda estava com os olhos cerrados e diz que ela já poderia abrir o olho. Ela abre e vê tudo lá embaixo pequenininho e ri... o irmão diz que a mamãe estava realmente certa: estrelas cadentes são penas das asas de anjos. E ainda disse que agora ela poderia voltar a sonhar novamente, deitada numa nuvem qualquer.

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

5 minutos

Ouvindo na seqüencia Dirty Mutha, do Steed Lord, banda basicamente necessária; The Party e Stress do Justice, outra paulada. Nessa seqüência, dá para entender um pouco do conto também. Não deixem de ouvir.


Com a cabeça reclinada na poltrona, ela não queria abrir o olho de jeito nenhum. Passa um avião, seus olhos temam em abrir. Passa outro avião, seus olhos abrem e vêm a luz solar atravessando o teto de vidro do aeroporto. Ela sabe que quando acorda, dali para frente, seriam só cinco minutos, depois não sabia de nada que aconteceria.

Verificou seus pertences e estava tudo certo... percebeu a boca seca e a ressaca gigante. Veio alguns flashes da noite seguinte... algumas coisas difusas: música alta, lugar escuro, muita gente e muita luz. Olha para o corpo e vê a roupa um pouco amassada... imaginou que dançou muito na noite anterior; mas que não tirava a classe e o estilo da roupa, que, inclusive chamou a atenção do senhor à sua frente, que não tirava o olho dela.

O velho leva uma encarada da moça; depois de embaraçado, o senhor fica incomodado com o olhar dela: duro, penetrante, raivoso... incomodava mesmo. Dava vontade de perguntar o que ela tem! E óbvio, de bater nela, pois ela não responderia... o velho fica zangado. Não agüenta e vai tomar um café.

Viajar não era muito com ele, sabia? Ele sempre foi meio azarado. Sempre acontecia algo estranho, como aquela moça agora! Ela somente lembrava a neta dele, poxa! Não precisava dela olhar daquele jeito. Nesse meio tempo, ele pede um capuccino para a moça que o atendia. Enquanto ele pedia, um executivo entra na sua frente.

"Sem café preto não funciono!". Pensava o executivo. Não se incomodou em pular na frente do velho e pedir seu café preto... seu jeito intimidava as pessoas: era imponente, sempre usava um terno de marca impecável, decidido, pensava rápido, percebia coisas que poucos percebiam, centrado: parece que tinha saído de uma dessas bíblias modernas sobre como se dar bem na vida.

Ele consegue uma mesa e abre seu laptop. Ia ver seus emails... poderia ter algo importante antes de ele embarcar. Lei de Murphy. Olha um em especial, era de sua mãe: mandava fotos do aniversário do filho dele, dizia que tinha sido excelente e que ele fez muita falta... deu a entender que ele não andava fazendo seus deveres paternos. Ahan! Se ele não faltasse na festa, ela teria que faltar na próxima viagem para a Europa mês que vem... que absurdo! Já não bastava perder a festa e ainda ouvia sermão... Alguém quebra a concentração dele.

"Só tinha lugar aqui. Eu vou sentar." O cara de branco parecia um médico, mas com as unhas muito comidas. Ele vê o cara com o laptop sozinho na última mesa e vai direto para lá. Precisava sentar para clarear as idéias... pegar seu caderno de anotações para saber aonde ele estava, para onde ia e qual era a próxima coisa que teria que fazer.

Todos sabemos que ser médico é muito difícil. E psiquiatra, ninguém sabe? É muito pior. Tem que ter uma cabeça que nunca se viu. Muito equilíbrio emocional, muitas formas de separar trabalho da vida real, fazer yoga, não ficar estressado nunca. Tratar de gente no estado que ele as recebe é como desacreditar um pouco de cada vez nos seres humanos. Quando o paciente tem a causa do seu problema espelhada em ações de outras pessoas, não tem cabimento. É a anunciação do fim do mundo, como ele pensava. Algo está entrando em colapso no sistema e não seria interessante o desenrolar disso.

No alto-falante, o avião tal é chamado num certo portão. Os quatro se levantam, se dirigem para o local certo, entram no avião. O avião decola, pega altitude e ruma para o seu destino. No meio, enquanto serviam um lanche, o comandante da nave começa a falar.

O comandante começou com um argumento legal: sabia que a chance de você encontrar em outra ocasião algumas das pessoas que estão do seu lado e que você não conhece é menor que 1%. Ele disse que acreditava que tinha cinco minutos, duas vezes ao dia, cruciais: na qual ele gastava conhecendo alguém que nunca tinha visto antes e o outro no qual ele ficava em silêncio completo para se conhecer.

Cinco minutos depois, a garota está chorando baixinho sentada no banheiro do avião. Viu que, para uma jovem, sua vida era tão vazia que ela poderia passar anos em silêncio que ela não faria nenhuma diferença. O velho tinha pensado em morrer e ficou os cinco minutos em silêncio olhando a paisagem da janela; não gostou, viu que era melhor ser azarado do que ficar sempre calado. O executivo... esse... achou o discurso do piloto um lixo e nesses cinco minutos ficou arranjando maneiras de brincar com esse discurso, para quais amigos ia contar, ria sozinho... no fundo, se sentiu tão sozinho que não foi capaz de ficar em silêncio por cinco minutos. O psiquiatra olhava as mãos em silêncio: foram os primeiros cinco minutos fazia anos que prestava atenção nele, de que era ele quem precisava de ajuda, nos quais não ouvia os próprios gritos.

Para fechar, o piloto passou cinco minutos conversando com uma linda nova aeromoça e marcou um ótimo almoço, recheado de segundas intenções. E pensava qual assunto legal falaria na próxima viagem.

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Uma Segunda

Minha grande amiga Eugênia não gostou de ser referenciada da forma que foi no último conto. Por isso ela resolveu mostrar seu ponto de vista... sobre A Corrente. Canal de comunicação aberto. Música: Breakout - Foo Fighters. Junta a música com o ódio no coração. Mas, eu achei excelente essa idéia e o conto... alguém mais quer brigar?

* para entender melhor, leia o conto "A Corrente", caso não tenha lido ou esquecido. Depois volte aqui. É imperdível.


Outra segunda-feira como todas as outras. Eugênia, a secretária, ia pro trabalho e não é que estivesse acordado propriamente mal-humorada, mas preferia ter dormido mais algumas horas. Ou semanas...

Chegou pontualmente ao escritório e constatou que Pedro, seu chefe, ainda não havia chegado. Ele não era de chegar cedo, quanto mais às segundas! Se presidente de banco ela fosse, também não chegaria na hora.

Assim que Pedro entrou em sua sala, Eugênia passou as tarefas do dia, acompanhadas de um comprimido pra dor de cabeça. Ele, sabia ela, não passava sequer um minuto dos seus finais de semana sóbrio. Bebia como um compulsivo garrafas e garrafas da sua querida vodka Babicka. Mal sabia que essas garrafas eram freqüentemente enchidas de Natasha, medida de economia recomendada pessoalmente pelo pai de Pedro, verdadeiro fundador do banco.

Voltou para sua mesa. Pedro achava que a sua secretária passava o dia lendo horóscopo na Internet. Ledo engano: ela desenvolveu ao longo dos anos essa capacidade de não pensar em nada. Por isso não é de se estranhar que olhasse sem ver o monitor de seu computador.

Trabalhava como secretária desde importante homem de negócios há anos. Suspeitava ter conseguido o emprego (bem ou mal, concorrido) não exatamente por suas habilidades técnicas. Aliás, na última festa de fim de ano do banco ouviu de seu chefe:

- Você é má. Adoro mulher má. Se for gostosa então... aí eu apaixono.

Desde então ela se preparava para o momento em que daria queixa do chefe por assédio, já até sabia onde ficava a delegacia mais próxima e como chegar lá sem pegar engarrafamento. Era uma mulher prática.

Não era uma má funcionária. É bem verdade que quase sempre não gostava do seu trabalho, tinha vontade de mudar tudo, voltar ao começo. Mas essa segunda-feira era só um daqueles dias de revolta que todas as pessoas normais têm, ou deveriam ter. Se perguntava como foi deixar a vida chegar àquele ponto. Seus 30 anos se aproximavam ameaçadoramente e ela não estava satisfeita. Enquanto fingia estar ocupada, sonhava com praias desertas e finais felizes.

Tinha muito trabalho pela frente, mas desde há muito seguia uma teoria segundo a qual quanto mais tarefas se têm pra fazer, menos é necessário ser feito. Afinal, poderia sempre alegar que estava ocupada fazendo outra coisa.

Perdida em seus devaneios, Eugênia ouviu um forte estrondo na sala do chefe. Relevou, resolveu esperar pra ver se passava. Outro estrondo, dessa vez acompanhado pela imensa mesa de mogno da sala de Pedro. A mesa foi empurrada através do hall pelo dono, que tinha manchas de sangue na camisa branca.

Os funcionários se desesperam. Gritaria. A secretária suspira e fala pra ninguém ouvir: eu não ganho o suficiente pra isso. Entrou na sala destroçada de Pedro para ver o que estava acontecendo. Este, aparentemente calmo, tirou da carteira um papel e lhe ditou um número. Pediu que ligasse e transferisse a ligação para a recepção. Nesse momento, nos restos de um computador, uma pequena explosão assusta a secretária.

Enquanto ele se dirige ao elevador, ela liga. Ninguém atende. Volta à sua mesa e lê rapidamente o e-mail que acabou de chegar, repassado por Pedro:

“Arrasta a cadeira de lado, faz cara de muito ódio. Saia destruindo tudo que ver na sua frente durante a música. Volte e sente no que restou da sua cadeira, no que restou da sua sala, e comece a repensar o que sobrou da sua vida. Repasse para 10 amigos e comece a revolução. Depois me ligue. Você ainda tem meu número na sua cabeça.
Com amor, Alice.”

Ligou de novo e do outro lado da linha Alice atendeu. Pensando que definitivamente o seu salário não é o suficiente para aturar surtos psicóticos, Eugênia se dirige à janela.

- Alice, o Dr. Pedro deseja falar com você, aguarde um instante por favor.

E, sem esperar uma resposta, joga o telefone, que logo alcança o chão 60 andares abaixo.

Com outro suspiro a secretária volta para sua mesa e pensa no que fazer. Ora, ordens são ordens. Repassou o e-mail de Alice para toda a sua lista de contatos, não ia nesse momento se preocupar em escolher só 10. Pensava ela que ninguém ia abrir o e-mail de qualquer forma.

E-mail devidamente encaminhado, pegou seu computador ainda ligado, arrancou os fios e o atirou pela janela, seguindo o mesmo caminho do telefone. Na sala de Pedro buscou uma garrafa de vodka e um copo com gelo e seguiu para o elevador privativo bebendo.

Foi o tempo de passar em casa, dar uma martelada no celular, buscar umas roupas e o passaporte.

Muito tempo se passou sem notícias de Eugênia. O e-mail foi lido por alguns poucos, o que criou algum caos e pânico. Anos depois, um funcionário do banco que voltava de suas férias em Kiribati disse ter visto a ex-secretária vendendo caipirinha e brigadeiros num quiosque numa praia paradisíaca, dessas com coqueiros e peixinhos.

Puxou conversa com a mulher na praia. Essa, muito embora falasse português sem sotaque, disse morar lá há muito tempo e negou ter qualquer dia trabalhado em um banco. Não seria capaz de trabalhar entre economistas e advogados. São todos loucos esses que levam a vida assim. Não desejaria essa vida por nada. Ela, disse o funcionário, parecia afinal feliz.