domingo, 2 de dezembro de 2007

Mudar a planta de lugar.

Destruindo a mente com Chemical Brothers (de novo?) com a música My Elastic Eye, do CD Come With Us de 2002. E agora com novidade. A partir desse conto, a música vai junto... abaixo tem um podcast com a música. É só clicar no play e começar a ouvir e ler o conto. Agora sim ficou tudo perfeito. Mais informações sobre esse podcasting que estou usando: Odeo.


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Do sofá, se via a planta. De todo lugar se via a planta. A maldita planta via tudo. No sofá, o inimigo "natural" daquela planta a olhava. Com um ódio gigante, apesar de ser uma bela samambaia gigante: presente da mãe para a nova casa. Ele chegava em casa a tarde, a planta o olhava de cima em baixo, como se estivesse verificando se ele tinha feito tudo direitinho no dia.

Nas manhãs de sábado, ela o encarava como se perguntasse se assistir todos os jogos de futebol que passavam na ESPN era o que ele queria para o resto da vida. Nas madrugadas, início das manhãs de domingo, ela o fitava e perguntava o por quê de sair todo dia e beber tanto. Não tinha como, a planta era uma extensão da mãe dele.

No trabalho, ele não sabia o que fazia mais: tinha que aguá-la, cortar as folhas estragadas, conversar com ela - conselho da mãe -, deixá-la tomar sol... e se não fizesse isso a mãe ia ficar muito triste e magoada. Já até imaginou que aquela samambaia era a extensão da mãe, como um espião para lhe mostrar o que ele andava fazendo. Mas, não podia simplesmente matar a samambaia, escondê-la, pô-la no quintal. Era como um cachorro de madame: só podia ficar em casa e tinha muitos tratamentos especiais.

Quando ele ia visitar a mãe, ela tinha mudado completamente. Não pegava mais no pé dele, não criticava seus amigos e "namoradas"; era uma mãe moderna: já utilizava ferramentas da Internet para saber da vida do filho, mas não falava mais do tanto de recados femininos ele tinha no orkut dele e de como ele não tinha uma namorada fixa ainda. Todo dia que ia lá, o café da manhã era especial, e, sempre quando ele chegava, ela perguntava da samambaia. Quando viajava, ele deixava a samambaia com uma vizinha que gostava de plantas.

Na volta para casa, ele pegava a bendita samambaia. A senhora que cuidava dela dizia que nunca tinha visto uma samambaia tão cheia de vida. Em um outro dia, ele, ao sair de casa, deu um beijo na samambaia por engano dizendo "tchau, mãe" e jura ter ouvido um "tchau, meu filho, vá com Deus!"!

Esse assunto já estava deixando-o louco. Foi a uma psiquiatra... o médico receitou para ele descanso. Que a samambaia era uma samambaia e a mãe dele era uma mãe. Disse que era o estresse do trabalho, a vida nova e a falta da mãe. O rapaz não tinha por quê não acreditar. Isso era uma sexta, ligou para a casa da mãe e disse que não ia visitar a família esse fim-de-semana... falou que ia com os amigos a um cruzeiro marítimo no feriadão que começava na sexta mesmo.

Chegou em casa, fez uma mala rápida e partiu para o aeroporto. Os amigos não acreditaram na notícia que ele iria também: era um cara trabalhador, muito responsável, gostava de coisas planejadas com antecedência.

Ao chegar no lugar e partir para pegar o navio, ele ligou para a mãe, a fim de avisá-la de que estava tudo bem e tal. Quando ela atendeu, parecia a samambaia dizendo: "como você se esqueceu de mim?". Não disse nada do esquecimento, mas a voz dela já denunciava uma tristeza sem fim. Perguntou para ela se tinha acontecido algo, ela, com aquela voz benevolente, disse um "sincero" não. Sincero com aspas pois era uma sinceridade que encobria a verdade: ela sabia que a samambaia estava sozinha.

Ele insistiu para a mãe dizer o porquê da tristeza. Nada! Nem com tortura. Ele desligou o telefone e ligou para a senhora sua vizinha. Ela falou que ajudaria, mas não teria como ela entrar na casa! Todavia ela falou que cinco dias ela sobreviveria. Ele chegaria e ela estaria muito seca: era só tratar com muita água, sol e "carinho". Isso o deixou mais tranqüilo. Até esqueceu do problema durante o cruzeiro.

No final do feriadão, a caminho de casa, ligou para a mãe do aeroporto: estava tudo bem. Mas, em casa, ao abrir a porta, viu a samambaia. Rezou para que um milagre fosse operado, todavia, não! Ela estava seca. Achou que até tinha morrido. E nessa hora, um arrepio subiu pela suas costas: se a samambaia podia ter morrido, a mãe...

Ligou para ela. "Alô? Mãe? Tá tudo bem?" e estava tudo bem. Ela estava forte, sem nada. Enquanto conversava com ela e contava como tinha sido o cruzeiro, pensava no psiquiatra... ele estava certo... não tinha nada a ver a mãe e a samambaia. Que associação maluca!

Na despedida do telefone ele manda um beijo para a mãe e ela, antes de desligar, diz: "meu filho, e a samambaia? Ainda bem que não te dei um cachorro, né? Dorme com Deus. Sua mãe te ama!".

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