segunda-feira, 1 de outubro de 2007

A Corrente

Fone de ouvido ligado, som no último. Light Grenades do Incubus. Depois uma Miss Kittin para jogar a pá de cal com 3eme Sexe e Professional Distortion. Virei novelista sim, Getúlia, virei. Gaybis, para os nossos dias de fúria no trabalho! Para começar, como diria o Incubus (com propriedade, diga-se de passagem): "come on, remember who you are!".


Segunda-feira básica na vida de Pedro: cansaço mais desânimo mais trabalho. Apesar de sempre sonhar em ser um engravatado, espelhando-se no pai, aquilo não era muito bem o que sonhara. Sua sala, com uma bela vista para uma amontoado de prédios, sua secretária, com uma volúpia digna de secretária vilã de novela (daquelas que parecem saber muito bem o que querem), sua conta na Suíça, assegurando sua sonhada férias na ilha grega de Zatykirios e suas garrafas de vodka Babicka. Na segunda nada daquilo tinha o mesmo valor que tinham na sexta.

Ao chegar, Eugênia, a secretária, sempre lhe passava o itinerário do dia - como sempre cheio de reuniões chatas e decisões idiotas, uma vez que tinha herdado o trabalho fácil do pai de comandar um banco. Aquele segunda era para ser ainda mais chata: o tempo tinha fechado.

Pedro senta na sua mesa arrumadíssima. Liga seu laptop de última geração. Olha para a tela inicial e sente uma preguiça misturada com um ódio pela saturação que todo aquele ambiente lhe dava que chegou a lhe dar náuseas; lembremos também que parte da náusea foi causada pelo litro de vodka tomado no domingo assistindo mais um noturno - e soturno - programa de revista na tevê. No meio da náusea, pensou nas histórias sofríveis de animais nada predadores na África - clichê desses programas - e analisou uma solução: vodka para esses animais. Pensou: "se eu sou um gnu, para que correr da morte certa nas patas de um grande felino cheio de luxúria? Eu bebia uma vodka e encarava a morte de frente!".

Balançou a cabeça, pediu uma água à secretária, que prontamente a trouxe, pegou um remédio milagroso e tomou. Organizou as idéias, expulsou os pensamentos psicodélicos e tentou se animar com um "vamos lá!" mental.

O máximo conseguido foi abrir seu email da empresa.

Primeiro email. Remetente: Tia Fulana. Assunto: você está feliz hoj... deletado. Era corrente. Segundo email. Remetente: Alice. Assunto: 2 minutos e 50 segundos. Pedro sentiu uma vontade louca de deletá-lo, mas... algo o impedia... era o nome. Alice. Ficou um tempo pensando naquele nome até o cérebro se desligar de tudo... voltou a si. Lembrou da namorada de faculdade, que ele terminou porque ele escolheu trabalhar com o pai em outro país.

Abriu para lê-lo. A mensagem era a seguinte:

Arrasta a cadeira de lado, faz cara de muito ódio.

Saia destruindo tudo que ver na sua frente durante a música.

Volte e sente no que restou da sua cadeira, no que restou da sua sala, e comece a repensar o que sobrou da sua vida.

Repasse para 10 amigos e comece a revolução.

Depois me ligue. Você ainda tem meu número na sua cabeça.

Com amor, Alice.

Não se agüentou e riu, havia lembrado que ela tinha se bandeado para esse lado anarquista e essa era uma das causas maiores do término: Pedro era a encarnação do capitalismo. Ia apagar, mas viu que tinha uma música anexada ao email. Achou aquilo estranho, mas lembrou que o texto mandava ouvir uma música... então...

O arquivo anexado tinha o nome de Luz aos que estão na escuridão.mp3. Achou o nome uma babaquice digna daquela revolucionária de araque. Era segunda-feira mais umas doze horas até a próxima garrafa de vodka e tudo o irritava: desde passarinhos amarelos numa linda fonte no parque até malditas correntes eletrônicas tentando dissipar uma revolução. Achava aquilo um disparate. Uma ofensa. Um atrevimento sem tamanho!

Não conseguia apagar a mensagem da sua cabeça e nem do seu laptop. Achava petulante ela pedir para ele ligar depois e ainda supor que ele ainda lembrava seu número. Nesse exato momento, um nove apareceu na sua mente. Desviou a atenção e agora já baixava a música do email. Tinha que ouvir o que aquela imbecil queria que ele ouvisse.

Já começava a ouvir a música com os fones no ouvido. Ouviu um solo de guitarra e já prestava atenção na música. Quis ler de novo a mensagem... "Arrasta a cadeira de lado, faz cara de muito ódio". Sentiu algo estranho nele mesmo e jogou o fone na mesa com uma violência que machucou as suas orelhas.

Coçou os olhos, abriu-os bem... olhou para os lados, para os prédios atrás dele. Parou e tentou pensar um pouco, mas sua mente estava vazia. Precisava ouvir a música agora. Um outro tipo de ódio o invadiu. Um enérgico, persistente. Voltou a música sem o fone no ouvido e a parou. Leu de novo o email. "Saia destruindo tudo que ver na sua frente durante a música." Pegou o fone devagar, colocou no ouvido: um silêncio. Pediu para a música tocar. O solo de guitarra fez seu coração bater mais forte, a bateria o fez ficar de pé.

Logo, um grande e velho armário com muita coisa de valor era puxado graciosamente pela lei da gravidade 60 andares ao sentido do centro da Terra, depois de tentar atravessar duas vezes uma bela janela caríssima, e só na terceira tentativa alçar um belíssimo vôo. Pedro, olhava sua janela destroçada com uma cara tão ruim digna de Alex em Laranja Mecânica: gravata afrouxada, camisa para fora da calça e olhar maquiavélico.

Eugênia, imersa em sua tarefa por hora, ver seu horóscopo diário, não ouve nada; mas, fica um pouco assustada com a mesa de seu chefe passar pela porta depois de quatro tentativas, todas elas percebidas por ela, não devido ao barulho na porta que, no mínimo, incomodava, mas pela impossibilidade daquela cena, que a deixou categoricamente catatônica. Já viu brigas e gritos naquela sala, mas não uma mesa gigante atravessando o hall da sala do presidente do banco.

Pedro, quase possuído, já tinha destruído tudo na sala, de livros sobre o mercado e o capital nas bolsas de valores modernas até as luminárias IKEA com design único encomendadas por ele e que chegaram ontem.

Depois da mesa, Pedro sai da sala. Gritos são dados, um certo nível de desespero é alertado em todos os associados - que há tempos atrás eram funcionários - do banco que viram o ocorrido. A camisa de Pedro tem algum sangue, conseguido através dos empurrões na mesa e no armário e na tentativa de puxar um dos lustres do teto.

Pedro se dirige ao resto que sobrou do laptop. Por incrível que pareça, ele ainda funcionava, bem avariado e lento, mas funcionava. Também, pelo preço que foi pago e pela garantia que ele sobreviveria a quedas dantescas para um laptop, era o mínimo necessário. Percebeu, naquele momento que sentiria falta de algumas coisas do capitalismo, além do que ainda daria para repassar o email.

Ele anexa uma nova música e manda a mensagem à dez pessoas que sabiam que iam ler. Logo depois, acerta um chute naquele computador que nenhuma garantia cobriria. Depois, ouve uma voz o chamando. Era Eugênia, que se aproximava, sempre sensualmente e solícita:

- Senhor, o que houve? Está tudo bem?

Pedro tenta se recompor. Pega a sua carteira... melhor, o que resta dela. Acha o que queria: um pequeno pedaço de papel. Lembra que precisaria do celular, mas seu IPhone foi fazer um visita ao escritório no prédio do outro lado da avenida. Vira para a Eugênia e fala, calmamente, como um monge, um iluminado:

- Liga para mim, por favor, para esse número - e diz a ela um número. Eugênia o anota, ainda com a cara apavorada e se assusta ainda mais porque a mesa que era do chefe dá um curto e uma pequenina explosão ocorre. Nada demais.

Pedro pede para ela transferir para a recepção e vai entrando no elevador. Antes da porta fechar, ele diz:

- Você recebeu um email.

O elevador se fecha. Na recepção, não há chamada para ele. Na saída do prédio, um telefone caríssimo, daqueles com funções viva-voz, bluetooth, agenda completa e com uma boa capacidade voadora quase acerta a cabeça dele com a força de um pequeno objeto que cai de 60 andares. Ele olha para cima, vê uma silhueta que lembrava a de Eugênia lá extinta janela de seu escritório e vê que o céu está azul. Olha para o lado direito, um belíssimo armário esmagado contra o chão. Olha para frente, um cabine telefônica. Ele sabe que sentirá saudades desses contos de fada do capitalismo.

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