quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Uma Segunda

Minha grande amiga Eugênia não gostou de ser referenciada da forma que foi no último conto. Por isso ela resolveu mostrar seu ponto de vista... sobre A Corrente. Canal de comunicação aberto. Música: Breakout - Foo Fighters. Junta a música com o ódio no coração. Mas, eu achei excelente essa idéia e o conto... alguém mais quer brigar?

* para entender melhor, leia o conto "A Corrente", caso não tenha lido ou esquecido. Depois volte aqui. É imperdível.


Outra segunda-feira como todas as outras. Eugênia, a secretária, ia pro trabalho e não é que estivesse acordado propriamente mal-humorada, mas preferia ter dormido mais algumas horas. Ou semanas...

Chegou pontualmente ao escritório e constatou que Pedro, seu chefe, ainda não havia chegado. Ele não era de chegar cedo, quanto mais às segundas! Se presidente de banco ela fosse, também não chegaria na hora.

Assim que Pedro entrou em sua sala, Eugênia passou as tarefas do dia, acompanhadas de um comprimido pra dor de cabeça. Ele, sabia ela, não passava sequer um minuto dos seus finais de semana sóbrio. Bebia como um compulsivo garrafas e garrafas da sua querida vodka Babicka. Mal sabia que essas garrafas eram freqüentemente enchidas de Natasha, medida de economia recomendada pessoalmente pelo pai de Pedro, verdadeiro fundador do banco.

Voltou para sua mesa. Pedro achava que a sua secretária passava o dia lendo horóscopo na Internet. Ledo engano: ela desenvolveu ao longo dos anos essa capacidade de não pensar em nada. Por isso não é de se estranhar que olhasse sem ver o monitor de seu computador.

Trabalhava como secretária desde importante homem de negócios há anos. Suspeitava ter conseguido o emprego (bem ou mal, concorrido) não exatamente por suas habilidades técnicas. Aliás, na última festa de fim de ano do banco ouviu de seu chefe:

- Você é má. Adoro mulher má. Se for gostosa então... aí eu apaixono.

Desde então ela se preparava para o momento em que daria queixa do chefe por assédio, já até sabia onde ficava a delegacia mais próxima e como chegar lá sem pegar engarrafamento. Era uma mulher prática.

Não era uma má funcionária. É bem verdade que quase sempre não gostava do seu trabalho, tinha vontade de mudar tudo, voltar ao começo. Mas essa segunda-feira era só um daqueles dias de revolta que todas as pessoas normais têm, ou deveriam ter. Se perguntava como foi deixar a vida chegar àquele ponto. Seus 30 anos se aproximavam ameaçadoramente e ela não estava satisfeita. Enquanto fingia estar ocupada, sonhava com praias desertas e finais felizes.

Tinha muito trabalho pela frente, mas desde há muito seguia uma teoria segundo a qual quanto mais tarefas se têm pra fazer, menos é necessário ser feito. Afinal, poderia sempre alegar que estava ocupada fazendo outra coisa.

Perdida em seus devaneios, Eugênia ouviu um forte estrondo na sala do chefe. Relevou, resolveu esperar pra ver se passava. Outro estrondo, dessa vez acompanhado pela imensa mesa de mogno da sala de Pedro. A mesa foi empurrada através do hall pelo dono, que tinha manchas de sangue na camisa branca.

Os funcionários se desesperam. Gritaria. A secretária suspira e fala pra ninguém ouvir: eu não ganho o suficiente pra isso. Entrou na sala destroçada de Pedro para ver o que estava acontecendo. Este, aparentemente calmo, tirou da carteira um papel e lhe ditou um número. Pediu que ligasse e transferisse a ligação para a recepção. Nesse momento, nos restos de um computador, uma pequena explosão assusta a secretária.

Enquanto ele se dirige ao elevador, ela liga. Ninguém atende. Volta à sua mesa e lê rapidamente o e-mail que acabou de chegar, repassado por Pedro:

“Arrasta a cadeira de lado, faz cara de muito ódio. Saia destruindo tudo que ver na sua frente durante a música. Volte e sente no que restou da sua cadeira, no que restou da sua sala, e comece a repensar o que sobrou da sua vida. Repasse para 10 amigos e comece a revolução. Depois me ligue. Você ainda tem meu número na sua cabeça.
Com amor, Alice.”

Ligou de novo e do outro lado da linha Alice atendeu. Pensando que definitivamente o seu salário não é o suficiente para aturar surtos psicóticos, Eugênia se dirige à janela.

- Alice, o Dr. Pedro deseja falar com você, aguarde um instante por favor.

E, sem esperar uma resposta, joga o telefone, que logo alcança o chão 60 andares abaixo.

Com outro suspiro a secretária volta para sua mesa e pensa no que fazer. Ora, ordens são ordens. Repassou o e-mail de Alice para toda a sua lista de contatos, não ia nesse momento se preocupar em escolher só 10. Pensava ela que ninguém ia abrir o e-mail de qualquer forma.

E-mail devidamente encaminhado, pegou seu computador ainda ligado, arrancou os fios e o atirou pela janela, seguindo o mesmo caminho do telefone. Na sala de Pedro buscou uma garrafa de vodka e um copo com gelo e seguiu para o elevador privativo bebendo.

Foi o tempo de passar em casa, dar uma martelada no celular, buscar umas roupas e o passaporte.

Muito tempo se passou sem notícias de Eugênia. O e-mail foi lido por alguns poucos, o que criou algum caos e pânico. Anos depois, um funcionário do banco que voltava de suas férias em Kiribati disse ter visto a ex-secretária vendendo caipirinha e brigadeiros num quiosque numa praia paradisíaca, dessas com coqueiros e peixinhos.

Puxou conversa com a mulher na praia. Essa, muito embora falasse português sem sotaque, disse morar lá há muito tempo e negou ter qualquer dia trabalhado em um banco. Não seria capaz de trabalhar entre economistas e advogados. São todos loucos esses que levam a vida assim. Não desejaria essa vida por nada. Ela, disse o funcionário, parecia afinal feliz.

Um comentário:

Anônimo disse...

oi amor,
passei por aqui ó =]

te amo
beijos e parabéns pelos contos