terça-feira, 1 de janeiro de 2008

Fogos

2007 já foi, não é? Então falaremos de 2008, pois o ano que passou foi interessante: cheio de boas idéias, bons aprendizados; mas com muitas pancadas. Alguém deve ter me avisado para pisar devagarinho em 2007, mas não ouvi, eu imagino. No som, Originais do Samba com Alguém me avisou. Uma das músicas que moldam meu caráter quando isso é necessário. Já sabem como que funciona, né? Aperta o play e, como diria umas certas mulheres, :P vai.


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Esse ano foi difícil para o Pedro. E estava terminando de forma pior: tinha arrumado um bico como vigia de fogos de artifício. Ele era o responsável por iniciar a cadeia de explosão dos fogos, que seguiam uma certa ordem e, assim, formavam diferentes formas no ar. Além de óbvio, garantir que explodam. Faltavam poucos minutos e ele não poderia estar mais deprimido.

Tentava pensar que tudo aquilo valeria a pena, pois ajudaria sua família a ter um primeiro dia de ano melhor. E enquanto pensava nisso tudo, colocava sua "farda" de segurança: capacete, roupa anti-fogo, botas anti-fogo, máscara e protetores de ouvido. Foi para trás de sua cabine de segurança, deu os últimos comandos de direção na balsa e esperou a contagem.

A cada segundo que ia contado na regressiva, ele pensava em alguma coisa importante. No primeiro, o décimo, ele pensou no dia que nasceu. Não lembrava de nada, óbvio! Mas, se perguntava se ele havia trago felicidade para lar que entrou. Lembrou de fatos da infância simples e no nono segundo lembrou do seu pai comemorando um gol que ele fez no campeonato da favela... um golaço, levando o título do campeonato dos meninos menores de sete anos. Viu sua mãe chorando ao ver ele comemorando o gol e não ficou triste ao perceber que não tiravam fotos dele, como a família de alguns amiguinhos mais abastados.

Mas, tudo bem! Tudo bem devagarzinho na vida, no oitavo segundo, pensou na foto que fez do filho que nasceu a alguns meses. Comprou uma câmera daquelas digitais, de última geração... financiou até o máximo que podia e que deixou em suaves prestações. Todas válidas! Tirou fotos digitais do seu filho. Uma felicidade única! No sétimo segundo, lembrou da sua irmã: ô menina que foi encapetada, credo! Hoje, enfermeira Madalena. Ajudou em tudo no parto do seu filho. Da cama ao médico, conseguiu tudo com a sua simpatia e beleza. No bom sentido, claro.

No sexto segundo, lembrou da irmã tentando ensinar o que era ética para ele e o irmão quase da mesma idade, o Tiago. Tinham acabado de roubar dois doces da padaria do Badeco. Achavam ruim porque ela ficava assim só porque estava estudando, quase entrando na faculdade. Quinto segundo e diminuindo, e pensava sobre ética. Torcia para que ela se espalhasse pelo mundo nesse novo ano.

No quarto segundo, lembrou da Bahia e que veio de lá muito pequeninho, da família, da história sofrida, das batalhas ganhas. Prometeu que iria voltar para lá esse ano, só para ver se estava tudo certo, tudo no lugar. No terceiro segundo, prometeu ensinar samba para o seu filho o mais rápido possível, para quando voltar para a Bahia, o filho já ser estrela. O menino não poderia não herdar do pai a arte da dança! Lembrou do rosto dele ao sair de casa, pois explicou para ele que iria fazer o céu brilhar hoje como nunca brilhou. No seu colo, Pedro apontava para o céu e explicava que aquilo ia brilhar hoje por conta dele; e, num momento único, viu o sorriso encantador da sua mulher, cuja beleza não foi castigada pelas dificuldades da sua vida.

No segundo segundo, pensou que era engraçado falar "segundo segundo" para explicar que faltava dois segundos para o ano novo e lembrou que, quando ainda tentava só dar um belo beijo na sua esposa, pedia a Deus encaricidamente dois segundos da atenção dela. Teve os dois segundos, conseguiu abrir uma pequena brecha naquele coração. Mas precisou de mais de dois meses para arrancar o primeiro beijo. E no primeiro segundo, pensou na sua mãe e no seu pai. Mãe e pai... mãe que sempre avisava para ele para pisar nesse chão devagarzinho, bem "devagarinho". E o pai, sempre um pouco imediatista, falava que samba e mulher só daria em problema para a vida dele. E culpava a mãe por ter colocado ele no samba, entretanto, no fundo, tinha uma baita inveja dos dois.

Pedro aperta o botão. Os fogos começam a explodir numa sintonia única. Parece que diziam para ele que o ano novo seria maravilhoso. Que a banda de pagode ia virar sucesso. Que o filho ia ser ponta esquerda e jogar na Europa. Que a mulher dele ia continuar aquela pessoa que encantou ele demais. Que os irmãos continuariam sendo seu porto-seguro e que a irmã dele, caso ouvisse seus pensamentos, ia falar que ele sofre de queísmo. Que, quer dizer... ahh! Que sua mãe e seu pai ficariam fortes para vê-lo ser tudo que eles sonharam.

Pedro sai um pouco para fora da cabine de proteção e começa a tirar fotos dos fogos de artifícios. Emocionado, tiras as melhores fotos da vida. As melhores fotos do início da sua nova vida. E nos primeiros segundos do novo ano, começou a pensar em tudo que seria bom: aprender com os erros e sempre procurar evoluir de forma positiva. Não sabia de onde tinha tirado essa idéia, mas sorriu ao pensar nelas... e pediu, lá pelo vigésimo segundo do novo ano, sempre pensar na vida, chorar e rir.

* * *

Nota: dizem que algumas pessoas são escolhidas por alguém maior para contarem seus dez últimos segundos do ano como se fossem os últimos mesmo, pois a partir desse dia tudo iria mudar. Mudar para melhor. E dizem que vale contar dez segundos em qualquer momento. Esse ser maior é super tranqüilo com esse negócio de regras. Eu acredito nisso horrores.

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